A chuva e o limpador
Era de tarde e chovia grosso sobre a cidade. Uma jovem senhora dirigia o seu carro prestando bem atenção, porque a visibilidade era escassa. Sentado no assento traseiro, o filhinho de oito anos disse: – Mãe estou pensando uma coisa. O que? – perguntou a senhora, curiosa de saber o que passava de tão importante […]
Era de tarde e chovia grosso sobre a cidade. Uma jovem senhora dirigia o seu carro prestando bem atenção, porque a visibilidade era escassa. Sentado no assento traseiro, o filhinho de oito anos disse:
– Mãe estou pensando uma coisa.
O que? – perguntou a senhora, curiosa de saber o que passava de tão importante naquela cabecinha.
– A chuva – começou a explicar a criança – é como os nossos pecados e o limpador do para-brisa como Deus que limpa todos eles.
No momento, a mãe ficou sem palavras, surpreendida pelo raciocínio do filho. Quis, porém, retomar o assunto e perguntou ao menino:
– Certo, mas a chuva continua a cair. O que acha disso?
– A criança não titubeou nem um instante e respondeu:
– Ó mãe, nós continuamos a pecar e Deus continua a nos perdoar!
No domingo de Pentecostes, neste Ano Santo da Misericórdia, achei que podia ser oportuno refletir um pouco sobre as palavras de Jesus no trecho do evangelho de João lido na liturgia. Além de entregar o Espírito Santo aos discípulos reunidos, ao anoitecer daquele dia de Páscoa, Jesus lhes dá também o poder de perdoar os pecados. Uma novidade absoluta para a fé do povo judeus. Quem podia perdoar os pecados era só e exclusivamente Deus; a nenhum ser humano era dada essa possibilidade. Ao longo da sua vida terrena, Jesus já tinha perdoado muitas vezes os pecados de quem a ele recorria. Isso sempre tinha incomodado os mestres e doutores da Lei, escandalizados pela sua ousadia. Eles consideravam arrogância aquilo que para Jesus era misericórdia. Podemos pensar que, afinal, talvez Jesus tivesse mesmo este “poder” d ivino de perdoar os pecados, ele, o Santo, o Senhor, salvador, mas porque entregar esta possibilidade aos pobres apóstolos e, com eles, a uma comunidade de discípulos ainda em formação e, além disso, pecadores eles mesmos? O que tem a ver o dom do Espírito Santo com o perdão dos pecados?
Encontramos a resposta lembrando a ação do Espírito Santo na comunidade e na história humana e a novidade claramente revelada por Jesus: a misericórdia do Pai. O Espírito Santo é o grande responsável da vida nova à qual os cristãos são chamados. Ao passo que cada batizado se deixa conduzir pelo Espírito, começa a acolher os critérios e os valores do Espírito. Muito mais. Antes de distribuir dons, funções ou atitudes específicas, o Espírito Santo nos garante aquelas que chamamos as virtudes que dizem a respeito de Deus, são elas: a fé, a esperança e a caridade. É o Espírito Santo o inspirador de todo gesto de amor, de toda coragem na fé e de toda firmeza na esperança. De nossa parte, continuamos fracos e pecadores, desnorteados pe la ambição e a ganância, atraídos pelos bens materiais, encantados pelo bem-estar egoísta. No entanto, mais nos deixamos conduzir pelo Espírito, mais conseguimos nos libertar dos laços do mal, da violência, da injustiça, da indiferença. O perdão dos pecados é a possibilidade de recuperar a nossa dignidade de filhos amados. É o abraço do Pai misericordioso que faz festa com o nosso retorno e nos coloca novamente no lugar que, iludidos, tínhamos deixado.
Não devemos duvidar. Toda boa vontade de fazer as pazes, de deixar caminhos errados, de reativar laços quebrados, de voltar ao seio da família e da comunidade de onde viemos, são obras do Espírito Santo. Pedir perdão só pode parecer uma humilhação para quem não conhece a misericórdia do Pai ou para quem a considera fraca, pequena, incapaz de vencer o mal e a morte. Mais uma vez é questão de fé. Infelizmente, por causa das ideias confusas e distorcidas que temos de Deus, o consideramos ainda vingativo ou injusto quando não pune, como nós gostaríamos, os que consideramos malvados. Ainda bem que, se nós continuamos a pecar, Ele mais ainda continua a nos perdoar. Não desiste. Para que possamos sempre enxergar de novo o caminho certo. O caminho do bem e da misericórdia que o Espírito Santo sempre abre à nossa frente. Sem cansar, porque Deus nunca se cansa de amar e perdoar. Só se parar mesmo a chuva dos nossos pecados ou chegar, de vez, à casa do Pai. Ainda haverá um inesquecível abraço.
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