Dom Pedro Conti

A bússola


Durante uma guerra, um pelotão de soldados estava atravessando o deserto. De repente o guia local aproximou-se do sargento e, muito triste e constrangido, disse: – Estamos perdidos. Naquela tempestade de areia de ontem eu perdi o rumo. O sargento relatou a situação ao capitão que, porém, não ficou muito perturbado com a notícia. Ele mesmo, experimentado nas travessias, foi falar com o guia, lhe entregou uma pequena bolsa de dinheiro e lhe disse:- Já que perdeu o rumo, vê se consegue orientar-se por esta bússola. O guia, abriu a bolsinha, examinou atentamente o conteúdo e respondeu: – Sim, senhor, acredito que com esta bússola dá para reencon trar o caminho. Retomaram a marcha e chegaram ao destino sem mais dificuldades. Quando, porém, o sargento estava para dispensar a tropa e o guia, o capitão chegou e perguntou ao homem: – A bússola que eu lhe entreguei serviu bem? – Sim senhor, perfeitamente. – Está bem – retomou o capitão – fique sabendo que ela serviu também para mim. Esqueceu que estamos em guerra? Precisamos de colaboradores leais e fieis. Você foi um traidor, mentiroso e oportunista! Está preso! Será julgado e condenado pelas nossas leis!

Com o 22º Domingo do Tempo Comum, retomamos a leitura do evangelho de Marcos. Começam os questionamentos, as incompreensões e as críticas. O evangelista quer nos conduzir a responder à pergunta chave: quem é Jesus para poder confiar nele? Cada cristão deve dar a sua resposta firme e corajosa. De outra forma, fica na dúvida, ou seja, ainda não alcançou a fé. No evangelho deste domingo, no meio de um emaranhado sem fim de normas e preceitos, todos amparados sob o guarda-chuva da Lei de Moisés, a questão é: Jesus é obediente ou desobediente? Os fariseus e os mestres da lei ficavam reparando se Jesus e os seus discípulo s lavavam as mãos antes de comer. Já que não o faziam, os questionaram em nome das tradições dos antigos. A resposta de Jesus foi contundente e desmascarou a hipocrisia de quem se preocupava demais com as práticas exteriores e deixava de limpar o interior do coração.

Com efeito, Deus nos deu poucos mandamentos e, com Jesus, podemos dizer, um só: o mandamento de amar a Deus e ao próximo. Todas as outras “normas” têm sentido e valor se nos ajudam a viver o “grande” mandamento do amor. Pode acontecer que, muito preocupados com gestos e atitudes exteriores, acabemos esquecendo o principal e fiquemos dando mais valor às aparências que àquilo que percebemos e guardamos em nosso coração. Jesus não poupou críticas ao cumprimento formal de obrigações e preceitos. A distinção não é mais entre o “puro” e o “impuro”, mas o que é feito com amo r, que multiplica e espalha o amor, e aquilo que fecha o coração, exclui e despreza o irmão pobre e pequeno. Se temos dúvidas sobre o nosso agir, podemos retomar os versículos 21 e 22 do evangelho deste domingo e fazer um sério exame de consciência.

Mas, para fazer isso, precisamos, talvez, reaprender a entrar em nós mesmos, a ser sinceros, a esquecer o que os outros pensam de nós, como é a nossa imagem social, dentro e fora das “redes”, e reconhecer quem somos e o que fazemos de verdade. Aparentemente vivemos numa sociedade de pessoas “honestíssimas” porque nunca ninguém admite ter feito coisas erradas, ter roubado ou desviado o dinheiro dos outros. Vivemos de enganos, declarações e juras de pureza e santidade. É um mau sinal para a nossa sociedade e para as novas gerações que tenhamos jogado fora o bom costume de escutar a voz da nossa consciência. Assim mentimos aos outros e a nós mesmos. Se a “bússola” que norteia a nossa vida é o dinheiro, é fácil perder o rumo da vida e reencontrá-lo conforme os nossos interesses. Para nós cristãos a verdadeira “bússola” da vida só pode ser a nossa consciência, iluminada pela Palavra de Deus, pelos bons exemplos, pela bondade e a gratidão. A sós com Deus, no silêncio da oração, no templo sagrado do nosso coração, o rumo certo da vida vai se abrir à nossa frente.