Dom Pedro Conti

A caridade


Certa dama muito rica desejava praticar a caridade de forma ampla e eficiente. Depois de refletir alguns dias, resolveu aconselhar-se com um amigo que considerava sábio e de bom coração.

– Tudo bem – disse o amigo – porém há uma caridade de primeiro grau, a que todos somos obrigados. Consiste em evitar que o próximo padeça por nossa culpa. A simplicidade e a sobriedade devem ser praticadas, porque diminuem a dor da espécie humana…. Enquanto a vaidade, a ostentação e o luxo a aumentam muito. Assim não se pode esquecer de que a legítima caridade começa pelos que estão mais próximos, entre os quais os mais humildes trabalhadores. Realizado tudo isso, se ainda mais for possível, iniciará outra caridade ainda maior.

A rica senhora escutou tudo e depois disse:

– Solicitei sua opinião sobre a melhor forma de empregar o meu dinheiro em obras de beneficência. Não pedi conselho sobre a minha vida.

– Acreditei – retomou o amigo – que se tratasse de vossa caridade, de vosso amor aos que sofrem. Vejo, porém, que toda a vossa dúvida está em como deveis empregar vosso dinheiro. Em tal caso, entendo que deveis consultar um homem de negócios. A essas palavras a madame resolveu pensar melhor.

Nos evangelhos sinóticos encontramos, muitas vezes, grandes ensinamentos de Jesus colocados dentro de um acontecimento aparentemente simples e comum. No entanto, o olhar de Jesus é diferente e sabe captar algo que passa despercebido aos demais. O evangelho de Marcos, deste domingo, é conhecido como aquele do “óbolo da viúva”. Tudo acontece no lugar mais sagrado para os judeus. O templo tinha o seu tesouro, fruto dos dízimos e das contribuições dos fiéis. Os devotos depositavam as ofertas no cofre. Evidentemente alguns ricos colocavam bastante dinheiro. Isso demorava e chamava a atenção. O doador esbanjava humildade, mas, no fundo, sabi a que estava sendo olhado pelos demais com admiração e talvez com inveja. Ao contrário, os pobres depositavam pouco e, obviamente, passavam despercebidos. Não foi o que aconteceu, porém, com a pobre viúva, talvez reconhecível pelo traje e pela atitude recatada. “Duas pequenas moedas, que não valiam quase nada” foi a oferta da mulher. Jesus viu e não perdeu a oportunidade de afirmar categoricamente que era ela, afinal, quem tinha doado mais do que todos os outros, pela simples razão de ter dado “tudo o que possuía” e não só o que lhe sobrava.

Para Jesus, a generosidade não se deve medir pelo tamanho da doação, mas por aquilo que custa de sacrifício e desprendimento. Como sempre, para os ricos, o muito não faz falta nenhuma, mas para o pobre o pouco é indispensável. Ter o coração e a capacidade de doar o necessário ao seu próprio sustento é sinal de suprema caridade.

Em época de noticiários onde bilhões e bilhões de dinheiro são badalados, porque gastos, desviados, perdidos, sem saber como ou devidos sem saber o porquê, vale ainda a pena falar das duas moedinhas da viúva? Na realidade, o exemplo dela é de uma atualidade espantosa. Primeiro, para aprender a avaliar a nossa própria generosidade não pela quantidade da oferta, que nos faria sentir orgulhosos, mas pela capacidade de desprender-nos daquilo que estamos doando. Quando queremos reconhecimento, gratidão ou uma placa com o nosso nome, dá para duvidar sobre o verdadeiro interesse da doação. A segunda consideração diz a re speito aos pobres. De onde vêm os bilhões dos ricos ou administrados pelos poderes públicos? Vêm da produção, do trabalho e dos impostos de milhões de pequenos contribuintes. Hoje existem capitais “virtuais”, digitais, que migram via internet de uma bolsa valores para outra, mas a riqueza real, aquela do dia a dia, tem rosto. Ainda é feita de milhões de pequenas moedas, é feita dos salários “mínimos” dos que sofrem para chegar ao final do mês. É feita de aposentadorias de idosos que mantêm a escola dos netos; de pobres fazendo coletas para uma cirurgia de alguém ainda mais pobre do que eles. Essa é a “economia” da caridade. A que vale aos olhos de quem sabe ver com o olhar do coração de Jesus. Não precisa de internet, basta o amor