Dom Pedro Conti

A fuga


Na praia, o velho pescador tinha colocado a cesta com os caranguejos vivos ao lado dele e tinha caído no sono. Um senhor que passava o acordou:

– Veja, os seus caranguejos estão fugindo!

O velho, que sabia das coisas, lhe respondeu:

– Não se preocupe! Logo que um caranguejo consegue subir um pouco, outro o agarra e a este segundo caranguejo um outro vai se juntando. A fila começa a ficar pesada e todos caem novamente dentro da cesta. São eles mesmo que não deixam ninguém sair.

Acredito na experiência do velho pescador e fico pensando sobre o que, muitas vezes, nos impede de mudar de vida, de sermos cristãos melhores. Parece que alguma força nos puxa para trás. Assim continuamos na mesmice, convencidos de que já não tem jeito e que, talvez, nem valha mais a pena.

No evangelho deste segundo domingo de Advento, escutamos a vigorosa pregação de João Batista. Parece um profeta zangado, que reclama de tudo e de todos. Não era por menos. Multidões o procuravam, lá no deserto da Judéia, para o batismo de penitência que ele administrava na beira do rio Jordão. Eram moradores de Jerusalém, das redondezas, fariseus e saduceus. João chamava a todos de “raça de víboras” e cobrava deles “frutos de conversão”. Que culpa eles tinham? O que estavam fazendo de tão errado?

Entendemos que o evangelista Mateus quer nos falar, antecipadamente, da incapacidade deles de acolher aquele que virá depois: o próprio Jesus. No entanto, nesta página, João Batista revela a verdadeira razão da não acolhida: a falsa segurança que eles tinham. Pensavam que lhes bastasse ser “filhos de Abraão” para, digamos, agradar a Deus. No fundo, não importava tanto a vida real deles, porque só o privilégio de pertencer ao povo eleito era uma garantia mais que suficiente. Por isso, João cobrava frutos e ameaçava castigos. Sabemos que Jesus tomou atitudes mais misericordiosas. Todavia, nem por isso podemos pensar que o nosso “ser batiz ados” e o nosso afirmar que somos cristãos e que acreditamos – muitas vezes sem saber bem em que e em quem – nos garantam melhores condições perante às exigências grandes e bonitas do evangelho.

A Igreja, mãe e mestra, convida-nos todo ano a percorrer novamente o caminho da fé, principalmente através da memória dos eventos da vida de Cristo, das suas palavras e ações. Podemos achar que já sabemos tudo, que já estamos no caminho certo e que não precisamos mudar em nada. No fundo, nos consideramos bons cristãos ou, ao menos, melhores de tantos outros. São os nossos defeitos conhecidos: a acomodação, uma religiosidade formal, o nivelar tudo, pensando que uma crença valha a outra e que, portanto, não tenhamos que tomar demais a sério a “nossa” fé. Desse jeito nunca muda nada da nossa vida de cristãos.