Dom Pedro Conti

A gota d’água


Era uma vez uma gotinha de água que morava numa nuvem sobre os Mares do Sul. Ela vivia muito satisfeita e se orgulhava de sua força porque, mesmo nas maiores tempestades, era uma das poucas gotas que conseguiam se segurar e não cair. Outras gotas iam e vinham, mas ela se mantinha firme, pois gostava muito da sua nuvem, a qual nunca se dissipava por completo. Em certa tarde muito quente, a gotinha encontrou na nuvem outra gota, sua conhecida que não via há algum tempo. Ela quis saber por onde a outra tinha andado.

– Acabei de chegar – respondeu a amiga – sabes como é: nós caímos, mas depois com o calor, acabamos por evaporar e voltamos para cá.

– Isso eu não sabia – falou a primeira gotinha com orgulho – eu nunca saí daqui. Sempre me segurei.

A gota recém chegada olhou para ela com piedade e não com admiração. Isso incomodou a gotinha orgulhosa, que quis saber o porquê daquele olhar travessado. A outra retorquiu:
– É que me causa muita pena ver alguém, que foi criada com o potencial para ser o oceano, continuar a insistir em ser apenas uma gotinha solitária. Naquela mesma tarde, teve uma chuva torrencial e aquela nuvem, finalmente, dissipou-se até à última gota.

O terceiro Domingo do Advento é chamado “o domingo da alegria”. A conversão e o perdão dos pecados anunciados por João Batista, apesar de serem exigentes, já são uma boa notícia. A certeza da misericórdia de Deus é sempre uma alegria. No entanto, além dessa notícia, tem outra mais importante ainda: a chegada do Messias, o esperado, o Ungido, aquele que selará para sempre a nova aliança de Deus com o seu povo. Somente assim entendemos a insistência e a angústia dos que cobravam de João Batista uma definição: quem ele era, afinal? Por que batizava, se não era o Cristo? João respondeu dizendo que ele era somente a “voz” que gritava no deserto. Aquele que chegará será a Palavra, revelação de Deus, feita carne para ser ouvida, vista, acolhida e, assim, transformar-se em vida divina, vida nova, presente e operante na história da humanidade.

“Quem és tu?” “O que dizes de ti mesmo?” São as perguntas repetidas inúmeras vezes no Evangelho deste domingo. Não valem somente para o Batista, valem também para nós. Saber quem somos, de onde viemos e para onde vamos não é uma curiosidade de criança, mas o questionamento sério de quem queira ir além dos simples fatores naturais e biológicos. Tem algo mais – ou alguém mais – que dá sentido à nossa vida? Hoje vivemos numa sociedade que exalta o indivíduo. Muito importante, único, sem dúvida, mas não tanto a ponto de pensar ser o centro do universo e da história. É infantil e doentio achar que os outros existam para atender às nossas necessidades e aos nossos caprichos. Adoramos bater selfies, porque nos consideramos os mais bonitos e nunca nos cansamos de olhar e enaltecer a nós mesmos. Isso, na Psicologia, chama-se narcisismo. Medimos as pessoas pelas vantagens ou os lucros que nos trazem, não por aquilo que elas são por si mesmas. Amigos são aqueles que promovem os nossos planos; inimigos aqueles que os atrapalham. Os demais nos são simplesmente indiferentes. Pobre ser humano!

Bastaria olhar para o céu para perceber o tamanho da nossa grandeza e a escuridão do nosso estrelismo. No entanto, todos temos um valor inestimável; não por nós mesmos, mas por aquele que se dignou de partilhar a nossa natureza e elevá-la às alturas dele: o Deus feito criança, que contemplaremos no Natal. É o amor dele, semeado em nossos corações, que torna grande o menor gesto de solidariedade, carinho e afeto sincero. Para que isso aconteça, precisamos sair de nós e aprender a olhar para os outros. Não fomos feitos para segurar a todo custo a nossa vida, abraçados a nós mesmos. Fomos criados para fazer parte do oceano do amor que é o próprio Deus. A nossa gotinha não aumentará o bem infinito dele, mas nós mergulharemos no seu mar sem fim de bondade. Tornamo-nos grandes pela humildade e a doação, pela coragem de apostar no amor. Somente assim seremos o que devemos ser: imagem e semelhança do Amor.