Dom Pedro Conti

A pipa


Numa linda manhã, uma criança saiu com seus amigos para empinar pipa. O papagaio subia cada vez mais alto, até que se tornou somente um pontinho no céu azul. Lá em cima se balançava feliz. Dois pássaros que estavam dando voltas à toa se aproximaram dele e elogiaram as cores bonitas da sua roupa. Depois um deles sugeriu:

– Vem conosco, vamos ver quem tem mais resistência no voo.

– Não posso – respondeu a pipa – Estou ligada ao meu dono, lá em baixo no chão. Os dois pássaros olharam bem e um deles disse:

– Eu não estou vendo ninguém.

– Eu também não estou vendo ninguém – respondeu a pipa – mas, vez por outra, sinto uma puxada no fio. Ele está lá, com certeza.

Neste quarto domingo de Quaresma encontramos o evangelho do cego de nascença. Mais uma vez, o evangelista João nos apresenta uma situação, uma disputa e um anúncio claro. É o caso de um pobre homem cego desde o nascimento. Situação, essa, considerada, por pessoas que diziam ter fé, como a consequência de um pecado, dele ou dos pais. No fundo, era a visão de um Deus que, antes ou depois, premia o bem e castiga o mal. Nunca perdoa. A discussão é entre os fariseus e o homem que agora enxerga pelas palavras de Jesus. Indiretamente, a crítica é com o próprio Jesus. Ele mesmo é julgado como pecador. Impossível que possa ter ab erto os olhos a um cego. Nem pensar de ver nisto uma obra de Deus. Se ele, Deus, o fizesse deixaria de punir o mal. O perdão é muito perigoso; os homens esqueceriam de ter medo dele! Deus não pode, não deve, mudar o sofrimento do cego em luz e alegria! O anúncio é, no mínimo, surpreendente, luminoso: aquele homem Jesus, considerado igual a todos os pecadores, é a presença amorosa de um Deus que “julga” os seres humanos de outra forma. Ao Deus de Jesus não interessam os pecados das pessoas. Ele olha a fé dos pequenos e dos pobres. Ama e liberta, com gratuidade e generosidade, quem nele confia. Esse Deus tão bondoso não se encaixava nos esquemas mesquinhos dos fariseus. Quem só enxerga os defeitos e os pecados – a cegueira – dos outros, não admite que alguém, nesse caso o próprio Deus, possa desestabilizar uma situação com a gra ndeza do seu amor misericordioso. No entanto quem acolhe Jesus faz a experiência de um fato antes impensável: quem não enxergava, o cego de nascença, agora vê perfeitamente e quem pensava de ver bem, os fariseus, agora ficam confundidos e os seus olhos ficam turvados pela incompreensão, a desconfiança e, talvez, pela inveja.

O grande pecado de todos é, no fundo, sempre o mesmo: duvidar da bondade de Deus, querer saber mais do que ele e lhe dizer o que deve fazer. A fé é o contrário. Vai junto com a “obediência” (ab-audientia) que significa saber ouvir, aprender com quem sabe, com quem conhece o caminho certo. Ou Deus quer enganar a humanidade e zomba de nós a toda hora ou pede para ser escutado, pede que correspondamos ao amor que ele nos oferece sem medidas ou limites? Pobres fariseus de ontem e de hoje. Estão perdidos. O Deus, Pai de Jesus, não se deixa manipular. Fez sim “o que nunca se ouviu”: enviou o seu Filho amado e este nos amou até derramar o seu sangue na cruz d a maldade humana. Esse amor não acabou e nunca mais vai acabar, é sempre de novo oferecido a quem se dispõe a acolhê-lo.

É fácil entender porque era obrigatório refletir sobre este evangelho nas etapas dos Catecúmenos rumo ao batismo. Deviam decidir com quem se ligar. Afinal esse “sacramento” – sinal de pertença e de entrada na Comunidade de Jesus – é uma amarra ou um caminho novo de liberdade e de amor? Sem nos apegar demais à comparação: é a linha que prende o papagaio ao seu dono e não o deixa voar como os pássaros ou é o que o segura lá no alto, na certeza de nunca se perder? Não sei. A liberdade e a fé são dons e buscas. A pipa e os pássaros aproveitam maravilhosamente do vento. Ninguém vê o dono, mas acho bom saber que alguém nos segura, nos solta e nos prende para voar cada vez mais alto. Sobretudo se o dono é Jesus.