Dom Pedro Conti

A premonição do eremita


Sírio era um santo eremita, um homem de Deus que vivia afastado, longe da cidade, sempre ocupado em orações, jejuns e penitências. Os homens e as mulheres simples iam ter com ele confiando nas suas palavras de sabedoria e fé. Os únicos que não gostavam dele eram o rei e os seus cortesãos. Eles moravam num grande palácio no centro da cidade e consideravam Sírio um velho doido. Certo dia, quando estava orando, o santo homem teve a clara premonição que a cidade ia ser destruída pela erupção do vulcão que, havia séculos, estava adormecido. Disse isso ao prefeito da cidade que o considerava um homem verdadeiro.

– Tenho certeza que o senhor está prevendo o certo – disse-lhe o prefeito – mas o rei nunca vai acreditar, ele somente confia nos seus magos e astrólogos.

– Chame o primeiro ministro – ordenou Sírio. Quando o ministro chegou o eremita falou:

– Diga ao rei que, há muitos anos, me dedico ao estudo dos planetas e das estrelas. Elas me disseram que logo a cidade será destruída pela lava do vulcão, que está aqui perto. O rei acreditou na premonição dos astros e mandou evacuar a cidade. Quando o vulcão acordou, todos os habitantes estavam a salvo.

Uma pequena história de mentira; um subterfúgio para convencer quem não queria acreditar. Foi para o bem do povo e do próprio rei desconfiado. Não é um convite a sermos falsos, mas um exemplo de esperteza em vista de um bem maior. Assim, podemos ler a parábola que nos é apresentada no evangelho deste domingo. Um caso da vida, infelizmente, tão comum. Um administrador desonesto que, desmascarado, deve entregar a administração. A saída que ele encontra é dar mais um golpe no patrão rico e conquistar, assim, a simpatia de alguns devedores. O surpreendente da parábola é que o patrão “roubado” reconhece e elogia a esperteza inteligente do ecônomo. O ensinamento não é um incentivo à desonestidade, mas para usar dos bens deste mundo – do dinheiro injusto – para fazer amigos. “Amigos” esses, todos especiais, uma vez que, quando acabar o dinheiro, acolherão os “filhos da luz” nas moradas eternas. Jesus está falando dos pobres, dos pequenos, beneficiados pela caridade de quem resolveu usar dos bens que administrava para socorrê-los. Alguém que foi luz na escuridão do sofrimento alheio.

O trecho do evangelho continua com outros ensinamentos que ao nosso entender lembram que a parábola foi dirigida “aos discípulos”. Para Jesus as coisas grandes são aquelas do Reino de Deus: a esperança e a vida plena que ele nos trouxe. As coisas pequenas são as riquezas deste mundo. Os cristãos devem ser exemplares nessas coisas menos valiosas para poder administrar as coisas “santas”. Devem dar testemunho de crer, acima de tudo, no valor inestimável do amor de Deus e na sua misericórdia sempre oferecida a todos.

Basta pouco para atualizar a parábola. Quantas energias de inteligência e esperteza são gastas para aumentar os lucros nesta nossa sociedade de consumo, de desperdício, de prazer e diversão! Não é questão de sobrevivência, mas de ganância mesmo. O coração humano fica insaciável, quando está a serviço do dinheiro. Estamos construindo uma sociedade, cada vez mais, desumana e excludente. As massas “sobrantes” de migrantes, empobrecidos e desempregados aumentam. Às vezes, até ações humanitárias são exploradas para enriquecimentos ilícitos e vergonhosos, às costas de multidões de sofredores sem terra, sem casa, sem pátria. É urgente que os cristãos se unam mais e aprendam a usar a inteligência da caridade, a esperteza da solidariedade e a argúcia da fraternidad e para encontrar caminhos novos. “Novos” ou antigos como a partilha e uma maior simplicidade de vida. Um grito por socorro nos vem, também, do Planeta Terra incapaz de sustentar tamanha produção de bens supérfluos, poluição, envenenamento da água e do ar, guerras e destruição. Não têm premonições de vulcões acordando. Não precisa contar mentiras sobre astros. Bastaria escutar mais a nossa consciência de cristãos e de seres humanos.