Dom Pedro Conti

A voz de Santo Antônio


Conta o escritor Súrio que, estando Santo Antônio a pregar em certa cidade, uma devota senhora, que morava distante, tinha imenso desejo de ouvir as pregações do santo. O marido, homem perverso, não lhe permitia de modo algum. Ouvindo que, devido à multidão, o santo iria pregar fora da cidade em campo aberto, a boa senhora, aflita e desconsolada, subiu ao terraço da casa para olhar, ao menos de longe, o lugar onde o ele pregava. Coisa admirável! Apesar da grande distância, a voz do pregador chegava-lhe aos ouvidos forte e distinta, como se o púlpito estivesse ali mesmo. Admiradíssima chamou o marido, o qual, reconhecendo naquele acontecimento o dedo de Deus, entrou em si, converteu-se sinceramente e foi, dali em diante, um ouvinte assíduo da palavra de Deus. E assim recompensou Nosso Senhor a fé e o amor que aquela senhora demostrava pela palavra divina.

Uma história de outros tempos, quando ainda não existiam os potentes aparelhos de som e precisava do “dedo de Deus” para ouvir de longe a pregação de Santo Antônio. Hoje, temos quilowatts de potência, rádio, televisão, celulares, internet e redes sociais, mas talvez falte mesmo o mais importante: a vontade de escutar com atenção o ensinamento do Mestre Jesus.

Neste domingo, ouviremos a página do evangelho de Lucas com o conhecido caso das duas irmãs, Marta e Maria. A primeira está muito atarefada, preparando uma digna acolhida para Jesus, hospede sempre bem-vindo naquela casa. A segunda está sentada aos pés dele, ouvindo as suas palavras. Ao pedido de Marta para que Jesus diga a Maria de ajuda-la nos afazeres, ele responde que ela está preocupada e agitada por muitas coisas. Maria, ao contrário, “escolheu a parte melhor e esta não lhe será tirada”. Parte que Jesus define como a “única coisa necessária”. Essa resposta dele já deu muita conversa e ainda dará. Sempre haverá defensores da incompreendida e explorada Marta e outros que aproveitarão destas palavras de Jesus para ficar sentados, numa confortável poltrona, não para escutar, de verdade, a palavra de Jesus, mas por certa dose de preguiça. Podemos ter quase certeza que esta discussão também esquentava os ânimos dos cristãos, aos quais Lucas dirigiu o seu evangelho.

Deixando de lado as intermináveis controvérsias, vamos ao que interessava a Jesus e que deve nortear também a nossa vida. Maria escolheu a “única coisa necessária”, porque todo o agir, correr e trabalhar do discípulo de Jesus só pode ser iluminado pela Palavra do Senhor. Isso não significa que esta Palavra nos dará uma resposta cabal a todo e qualquer questionamento ou curiosidade nossa. Por exemplo, não vai nos dizer com quem devemos casar ou qual pobre devemos ajudar. A Palavra de Deus irá nos dizer que sem o amor, que é doação, partilha, perdão e justiça, nenhum casamento irá dar certo e nenhum programa social conseguirá erradicar a pobreza. Caberá a nós a fadiga, mas também a liberdade de escolher, assumindo toda a responsabilidade e todas as conseq uências das nossas escolhas. Os erros, inclusive, fazem parte da dinâmica da escuta e da prática da Palavra. Eles nos obrigam a voltar a escutar sempre de novo, a buscar entender melhor e a reconhecer, com humildade, que, certas vezes, nós nos achamos mais sabidos que a Sabedoria. Queremos ensinar a Deus. “Escutar” não significa simplesmente ler. A Bíblia não é um romance mais ou menos histórico, um livro de autoajuda ou um catálogo de receitas milagrosas. Através de palavras humanas – e por isso compreensíveis – chega até nós, hoje, a revelação do amor misericordioso de Deus. Este Deus, que Jesus nos ensinou a chamar de Pai, fala a cada um, e, ao mesmo tempo, a todos nós juntos como comunidade, Povo de Deus a caminho na história. A Palavra de Deus é viva para quem quer dar um sentido grande à própria vida. S e acreditamos que é o próprio Deus que continua a falar, precisamos escutá-lo com atenção e… em silêncio. Nada de gritaria. Deus nos fala muito perto, fala ao nosso coração.