Dom Pedro Conti

Já a fizemos


Num dia de mercado na cidade de Assis, Francisco, ao sair do convento, encontrou Frei Junípero. Era um frade simples e bom. Francisco gostava muito dele. Aproximou-se e disse-le:

– Frei Junípero, vem comigo, vamos pregar.

– Francisco, você sabe que tenho pouca imaginação. Como poderei falar às pessoas?

Mas, devido à insistência de Francisco, Frei Junípero obedeceu. Andaram por toda a cidade, rezando em silêncio por todos os que estavam trabalhando. Sorriram às crianças, especialmente às mais pobres. Trocaram algumas palavras com os idosos. Acariciaram os doentes. Ajudaram uma mulher a transportar um cântaro de água; outra, a arrumar a banca onde vendia hortaliças e que as crianças, nas suas brincadeiras, haviam derrubado. Depois de terem atravessado o mercado e a cidade, Francisco disse:

– Frei Junípero, está na hora de regressarmos ao convento.

– E a nossa pregação? – Francisco sorriu e respondeu:

– Já a fizemos, já a fizemos.

Para a nossa reflexão sobre o evangelho deste domingo, o quinto do Tempo Comum, eu poderia, simplesmente, repetir o que escrevi a semana passada. O evangelista Marcos continua a sua “catequese” nos apresentando a maneira de Jesus agir, encontrando as pessoas e fazendo o bem. Como já disse, em Jesus, palavras e ações andam juntas. Jesus “prega” com a sua própria vida e, vivendo, anuncia a boa notícia do amor do Pai para com todos, de maneira especial os doentes e excluídos. No entanto está claro que, a cada página do evangelho, algo novo aparece e vale a pena ser colocado.

O primeiro gesto de Jesus é sair da sinagoga e entrar numa casa. Parece óbvio, mas não é. Depois, na frente da casa se reúne “a cidade inteira”. Exagero do evangelista? Ou um convite para todos os pobres e sofredores? De madrugada, Jesus se afasta de todos e vai rezar num lugar deserto. Por fim, continua a sua missão andando “por toda a Galileia”. Jesus fez um gesto – uma cura – na sinagoga, mas agora anda pelas aldeias, no meio do povo. Dá para entender que a boa notícia não ficará “fechada” em algum lugar privilegiado ou reservado. No templo ou na igreja, para entender. Vai se espalhar.

Jesus é livre e a sua palavra liberta, cura e transforma a vida. Jesus também não é um curandeiro ou um mágico de profissão. Não cobra, não faz negócios. Doa a si mesmo, a sua jornada toda e, sobretudo, a sua compaixão. Prega o amor com a sua vida. Somente se reserva às madrugadas para encontrar o Pai, no silêncio e na oração. É um homem para os outros. Inteiramente entregue à missão. Mas não numa atividade frenética, fazendo qualquer campanha ou promovendo a si mesmo. É uma pessoa “ocupada”, mas, ao mesmo tempo, não esquece de onde lhe vem tanta disponibilidade e generosidade. O Espírito acompanha Jesus, desde o batismo no Rio Jordão, depois no deserto e, agora, na vida pública. É o Espírito Santo que o ajuda a conti nuar na comunhão com o Pai celestial, apesar de estar no meio da humanidade, plenamente humano, em carne e ossos. Discretamente, o evangelista nos apresenta o mistério maravilhoso da Santíssima Trindade.

As lições para a nossa vida de cristãos se resumem numa palavra cara ao papa Francisco: “Saiamos, saiamos” (EG 49). A saída mais difícil para todos, porém, não é só aquela de sair do templo e mergulhar na sociedade para “pregar” o evangelho com a nossa vida. É sair de nós mesmos, ir ao encontro das pessoas com o olhar mais fraterno e o abraço mais solidário. Devemos sair para nos tornarmos próximo dos irmãos! Não tem melhor evangelização que o serviço generoso, a paciência da transformação, a liberdade da indignação e a não colaboração com o mal. Duas vezes, Marcos fala que Jesus “expulsava” muitos demônios. Seria bom que cada um de nós reconhecesse qual “espírito mau” nos impede de ser um evangelizador com a sua vida. A acomodação? O medo de se comprometer? O desencanto? O que entendi é que não saber falar não é desculpa. São Francisco já sabia. Frei Junípero aprendeu. Todos nós “pregamos” muito mais com o exemplo do que com as palavras. Também quando menos pensamos.