Dom Pedro Conti

Morrer por dentro


Uma criança de doze anos escreveu: “Eu vivi e cresci junto aos meus pais. Acreditava que o amor deles nunca morresse. Imaginava que fosse como uma grande árvore capaz de desafiar qualquer tempestade e, muito mais, o passar do tempo. No entanto, descobri que não era bem assim. Também uma grande árvore pode perder, aos poucos, os seus ramos e tornar-se uma árvore seca. Me contaram que os grandes amores, como as árvores, não morrem por uma rajada de vento ou um pouco de água a menos. Morrem se os deixamos morrer por dentro, como a conteceu com o amor de meu pai e minha mãe.”

No domingo de Pentecostes, cinquenta dias após a Páscoa, celebramos o dom do Espírito Santo como Jesus tinha prometido. Para o evangelista João, Jesus doa o seu Espírito já na cruz (Jo 19,30) e o comunica aos apóstolos, como ressuscitado, soprando sobre eles, ao anoitecer do dia de Páscoa, o “primeiro dia da semana” (Jo 20,22). Para Lucas, a maneira de contar e explicar as coisas é diferente. Quarenta dias após a Páscoa, Jesus é elevado ao céu e, dez dias depois, os discípulos “reu nidos no mesmo lugar” recebem o dom do Espírito Santo numa forma visível (línguas de fogo) e estrondosa (a ventania). A partir daquele momento, a comunidade assume com coragem a missão de espalhar o Evangelho pelo mundo a fora. Lucas escreve, para isso, o livro dos Atos dos Apóstolos. O que interessa para nós é acreditar e perceber a presença do Espírito Santo na vida da Igreja, no seu conjunto e na vida pessoal de cada um.

Para entender a ação do Espírito Santo, faço algumas considerações elementares, meio filosóficas e meio existenciais. O pressuposto é que nós, seres humanos, somos inteligentes e, portanto, não agimos simplesmente obedecendo aos instintos da natureza. É como dizer que ninguém nasce já programado. Temos, sim, uma herança biológica, cultural, histórica, ligada à situação e ao tempo no qual vivemos no mundo, mas temos também uma boa margem de possibilidades. Po r isso, é comum dizer que todo ser humano é um ser em construção. Esse trabalho é fadigoso, exige paciência e aprendizagem, é feito de avanços e recuos, de reviravoltas, retomadas e estagnações. Se esse, porém, é o desafio da vida humana é, também, o fascínio da sua aventura. Tem o gosto da caminhada, da conquista, da superação. Esse entusiasmo não está reservado à juventude. Acompanha a vida toda. A cada idade, quase, precisamos reaprender a viver, a gostar das alegrias e a superar as agruras. Nem tudo é maravilhoso na juventude e nem tudo é tristeza na idade avançada. Novos horizontes se abrem a cada passo dado, a cada etapa vencida, a cada nova condição experimentada. Falo, evidentemente, de quem sabe descobrir tudo isso, de quem se questiona sobre o sentido da vida, de quem tem a coragem de parar par a pensar. Todas coisas que parecem fora de moda, mas que somos obrigados a fazer, e fazemos, mesmo sem perceber.

Desde que nascemos, cada um de nós continua a ser a mesma pessoa, mas, ao mesmo tempo, torna-se diferente. O mais visível é o aspecto exterior. O nosso físico muda continuamente. E o interior? É aqui que entra o Divino Espírito Santo com os seus dons “espirituais”. Os que os outros percebem de nós é o que fazemos, o nosso agir. O que os outros não conhecem são as razões, os valores, as esperanças, a fé, que motivam esse nosso agir. É o que não se vê, o que está escondido no mais secreto do nosso coração, que faz com que sejamos o que somos, falamos e agimos do jeito que decidimos. Ninguém, nunca, poderá medir o tamanho da nossa fé. No máximo irão dizer se fizemos ou não fizemos certas coisas ou vivenciamos ou não certas práticas religiosas. Mas o nosso interior…Só Deus sabe, até mais do que nós. A opção da fé, da confiança, do amor a Deus, é sempre ao mesmo tempo algo de nosso, porque envolve a nossa liberdade, e é dom do Espírito Santo. Se vive, se realiza, o que está vivo por dentro. Se morre também, antes, por dentro. Não serve fingir estar vivos por fora, se estamos mortos por dentro, sem mais a alegria do amor. Bem-vindo Espírito Santo Vida de Deus!