Dom Pedro Conti

O cruzado e o peregrino


No tempo das cruzadas, um peregrino, que chegava de Compostela, cansado da viagem, decidiu ficar por um tempo na praia de Ribeira, abrigando-se numa gruta. Depois, intencionava prosseguir rumo à Terra Santa. Os pescadores espanhóis, que passavam por aí, davam-lhe pão e alguns peixes. Em troca o andarilho contava as suas aventuras e a história daquele Jesus por causa do qual tinha começado as suas andanças de penitência. Morava nas redondezas um malvado cavaleiro, que tinha lutado contra os mouros na Espanha e os turcos na Terra Santa. Talvez mais pelos espólios do que pela fé. Ele não gostava de peregrinos, considerava-os vagabundos. Assim, quis colocar à prova o pobre homem. Decidiu convidá-lo para o almoço. Mas, quando o peregrino chegou, o mandou embora. O mesmo fez no dia seguinte e continuou por um mês inteiro. Enviava um servo para convidá-lo e depois o despachava sem nenhuma comida. No final, foi tocado pela humildade do andarilho e lhe pediu perdão. O santo homem lhe disse: “Meu jovem cavaleiro, eu sou um peregrino e caminho em sinal de penitência. Ando por onde o Senhor me chama e nesses dias ele me chamou por trinta vezes até a tua casa. Entendi que, se o Senhor me mandava interromper a minha viagem para te encontrar, esta era a sua vontade. Era para te mostrar que a alma do peregrino não retém nada para si e confia somente no amor de Deus”. O cavaleiro deixou tudo e seguiu o andarilho rumo à terra de Jesus. Desta vez sem a espada, somente com o bastão de peregrino.

A humildade é, sem dúvida, a grande lição do evangelho deste domingo. Juntas vão também a gratuidade e a generosidade. Devemos reconhecer que as coisas não mudaram muito desde os tempos de Jesus e os seus ensinamentos são de uma atualidade espantosa. O conselho para participar de um evento ocupando o último lugar é tão simples que parece óbvio. Não está certo nos considerarmos sempre os mais importantes com direito ao destaque. Nunca deveríamos ser nós mesmos a nos achar os tais. Que sejam os outros – ou quem nos convida – a nos colocar no lugar apropriado, mas nunca nós mesmos. Tudo com simplicidade, sem ostentação. Com discrição, sem soberba. No entanto, sempre somos tentados a estar na frente e não nos preocupamos com a vergonha de, talvez, te r que deixar o lugar para outro mais importante ou querido do que nós.

Nem se fala de convidarmos em nossa casa os pobres. É perigoso. Podem se acostumar, podem exigir mais ainda. É muito melhor que o nosso grupo de “amigos” continue restrito e fechado. Entre nós nos conhecemos; temos os nossos segredinhos, as nossas articulações, os nossos negócios. Além disso, é mais fácil falar bem de nós e falar mal dos outros. Tudo, ou quase, funciona com a troca de favores: uma mão lava a outra, hoje eu ajudo, amanhã você me devolve. Nada é de graça, tudo tem preço ou compromisso de vantagens futuras. Vivemos num Estado de Direito, mas até na fila dos pobres, sempre aparece alguém mais pobre que passa na frente, mas não porque o seja de verdade. Simplesmente conhece alguém que conhece a pessoa certa para abrir as portas, nem que seja o faxin eiro do escritório do doutor. Vale tudo. Pobre mesmo é aquele que não conhece ninguém a quem pedir e prometer algo em troca.

Como ressoam desafiadoras para nós cristãos as palavras de Jesus: “Então tu serás feliz! Porque eles – os pobres mesmo – não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos” (Lc 14,14). Seria muito bom, neste bendito Ano Santo da Misericórdia, fazer a experiência da compaixão, da solidariedade e da gratuidade, sem preconceitos, sem clubes fechados, sem pensar no que poderemos pedir e receber em troca. Precisamos aprender a confiar nas palavras do Senhor, quando seremos surpreendidos por ele. Jesus nos dirá: “Foi a mim que o fizestes!”. E nós, esquecidos, a questionar: “Quando, Senhor?” Que tal começarmos a fazer isso por um mês. Um mês só passa rápido, mas pode valer uma eternidade e, quem sabe, consigamo s tomar gosto com a bondade. Seremos felizes.