Dom Pedro Conti

O exemplo


Numa segunda feira, pela manhã, Jesus passou pelas ruas da cidade. Carregava uma sacola bem pesada. Levava uma cesta básica a uma idosa que morava afastada e não conseguia mais andar. Empurrou por duas horas a cadeira de roda de um jovem paralítico pelos caminhos do parque. Era o que ele mais desejava havia muito tempo. Brincou por uma hora com uma criança que nunca conseguia segurar e arremessar a bola de volta porque estava com deficiência. Foi ao hospital e sentou ao lado de um doente de câncer que não tinha mais ninguém para visita-lo. Nadou na piscina e pulou do trampolim com um adolescente que tinha medo e do qual todos os colegas caçoavam. Conversou e depois dormiu a noite inteira num ba nco do jardim junto a um morador de rua que fedia de suor e cachaça. Na manhã seguinte desapareceu. Nenhum jornalista percebeu que Jesus estava na cidade. No entanto aquela velhinha, o jovem paralítico, a criança com deficiência, o rapaz medroso e o morador de rua diziam a todos aqueles que encontravam: – Ontem foi um dia maravilhoso, encontrei uma pessoa gentil. – Nós também podemos ser Jesus, também se não é nada fácil.

No domingo do evangelho da Transfiguração todos ficamos curiosos com o brilho do evento e com alguma inveja dos três discípulos escolhidos. Quem não teria gostado de contemplar a glória antecipada do Senhor Jesus? No entanto, ninguém ficou por lá. Todos desceram. Ainda estavam assustados e medrosos, mas os acompanhavam as palavras do Pai, ouvidas no meio da nuvem: – Este é o meu Filho amado, no qual pus todo o meu agrado. Escutai-o! – Por fim, pouco entenderam da ordem de Jesus de não contar nada a ninguém. Somente após a ressurreição tudo aquilo começaria a ficar claro e luminoso. Daquele dia em diante eles seriam as testemunhas destemidas de uma nova esperança. A morte não tinha mais a última palavra. A luz do amor venceu a escuridão do ódio e do mal. Após os primeiros, novos discípulos vieram e depois mais outros e mais outros. Ninguém mais segurou a Boa Notícia de Jesus, nem as perseguições, as calúnias, as divisões ou, simplesmente, o desgaste do tempo.

Ainda hoje quem se deixa alcançar pela luz do Evangelho, muda sua vida, se transforma numa nova criatura. Deixa de buscar somente os seus interesses e começa a preocupar-se pelos outros. Desiste de querer ser feliz sozinho para fazer felizes os outros. Enxerga as necessidades dos irmãos, levanta os caídos, carrega os pesos de quem perdeu as forças e enxuga as lágrimas dos sofredores. Assim deveria acontecer na vida de todo discípulo de Jesus. Deveria deixar de ser uma imagem desfigurada e apagada de Deus para se tornar uma pessoa humana transfigurada, reflexo brilhante da luz divina. Por isso os cristãos trilham os caminhos da Palavra, sobem ao monte da fé, contemplam a grandeza do amor de Deus, par a andar, depois, no meio dos irmãos e serem aquelas pequenas luzes de esperança que tantos almejam e que tão dificilmente encontram.

Será que Jesus precisa voltar para nos ensinar como amar ao nosso próximo? Terá que ser novamente crucificado para nos convencer que é possível mudar situações de abandono e de morte em lugares de vida e alegria? Quaresma é tempo também de solidariedade, fraternidade e partilha. Não basta proclamar com os lábios a fé na ressurreição, precisa atuar como homens e mulheres “novos”, refeitos pela luz da Páscoa. Todos podemos e devemos ser Jesus; nas nossas famílias, onde trabalhamos, estudamos, onde convivemos com os demais, crianças e adultos, jovens e idosos. Não tem desculpas para a bondade. Dificuldades, sim, têm muitas : o nosso comodismo, a nossa indiferença, a nossa insensibilidade, o medo de ser julgados “diferentes” por aqueles que não toleram a generosidade e sempre suspeitam da caridade. A cidade por onde Jesus quer andar é a nossa. Nós somos Jesus vivo hoje. Aqui e agora. Basta sair na rua para encontrar o que fazer de bem e a quem fazê-lo. Melhor sem fotos ou redes sociais. Só por amor, como ele fez.