Dom Pedro Conti

O lobo e a cegonha


O lobo engoliu um osso que ficou preso na sua garganta. A dor, muito grande, amansou o lobo, que começou a convidar todos os bichos, um por um, para curá-lo, fazendo muitas promessas. Afinal, depois de muita negociação, a cegonha aceitou. Colocou seu longo pescoço dentro da garganta do lobo e conseguiu fazer aquela operação tão arriscada. Depois, pediu a paga que havia combinado. Aí o lobo respondeu: “És muito ingrata! Tu tiraste da minha boca a tua cabeça sem prejuízo, e ainda tens coragem de me falar em recompensa?”.

Uma pequena história para duvidar se pode haver justiça entre desiguais. No entanto Jesus, no evangelho deste domingo, surpreende-nos com uma parábola onde um juiz, que ele mesmo afirma ser injusto porque não temia a Deus e não respeitava homem algum, acaba julgando a favor de uma pobre viúva, que insistia demais com ele a ponto de aborrecê-lo. A perseverança da mulher dobrou a insensibilidade do juiz corrupto.

Muitas vezes, ouvimos falar da morosidade da justiça, da facilidade com a qual, entre recursos e apelos, esgota-se o prazo para o julgamento. A espera de quem aguarda justiça e não tem meios para defender os seus direitos, contra alguém maior e mais poderoso, é sempre sofrida. Às vezes, o lado mais pobre acaba desistindo de antemão da questão, pela simples razão de achar impossível ser atendido, tão grande é a desigualdade entre os adversários. Nem todo Davi tem coragem para enfrentar Golias.

Jesus, porém, ensina-nos hoje a não desistir nunca e, não de uma disputa judicial, mas nada menos que da oração. Oração dirigida a Deus. Esse é o único “juiz” justo que não adia sem fim a resposta a quem grita por ele dia e noite. Por isso, é necessário rezar sempre, nunca desistir. Deus irá atender depressa os seus escolhidos.

Depois dessas minhas palavras, vejo muitos sorrindo desconfiados. Escuto muitos dizendo que cansaram de rezar, porque não foram atendidos. Jesus mentiu? Iludiu a todos nós com falsas promessas? Temos direito de duvidar das suas palavras ou precisamos entender melhor o seu ensinamento? A nossa cabeça e o nosso coração estão cheios de pedidos a Deus, alguns são sinceros e honestos. Rezamos pelas nossas famílias, pela vida e a saúde de todos, pela paz, pelo fim da violência, da fome e das guerras. Outras vezes os nossos pedidos são mais interesseiros, desejamos o nosso bem-estar, a vitória nossa ou do time do nosso coração. No fundo, somos nós que decidimos o que consideramos bom e útil para nós e para quem nos interessa. Poucas vezes nos preocupamos de nos questionar sobre o que ele, Deus, gostaria nos oferecer, nos dar com fartura se tivéssemos a fé e a perseverança de pedir, insistindo na oração, como a viúva da parábola insistiu com o juiz.

A “justiça” de Deus é o seu amor, a sua consolação. Não necessariamente é a nossa saúde, o prevalecer dos nossos interesses, o nosso bem-estar. O grande presente que ele quer nos dar, em primeiro lugar e acima de tudo, é ele mesmo. Não quer ser trocado por coisas materiais e passageiras; quer entrar a fazer parte das nossas vidas, porque começamos a pensar e a agir como ele pensa e age. Nada de egoísmos, patrimônios particulares, áreas reservadas, muros de separação. Ele nos pede uma justiça que nasce da fraternidade e não da disputa; uma partilha do necessário para todos e não o acúmulo de alguns e a miséria de outros. Quer a nossa gener osidade na doação daquilo que vale e não a esmola das sobras daquilo que descartamos. Nós continuamos a não acreditar nele, a não confiar que tudo pode mudar com o amor fraterno, com uma justiça aliada à misericórdia, incluindo também os bens materiais necessários para uma vida mais digna e mais humana para todos. Jesus conclui este trecho do evangelho com uma pergunta assustadora: “Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?”. Com certeza vai encontrar muito medo de perder dinheiro, bens e privilégios. Rezemos para que o bom Deus, justo e misericordioso, aumente a nossa fé e o nosso amor e não somente o nosso patrimônio.