Dom Pedro Conti

O peixe da enxurrada


Era uma vez um peixe que vivia muito bem num tanque de uma reserva florestal. Um dia, depois de uma grande chuva, outro peixe apareceu, trazido pela enxurrada. Começou uma amizade entre os dois. O peixe forasteiro falava do lugar de onde veio com muito entusiasmo e afirmava ser muito maior e mais bonito do que aquele tanque. Já o peixe anfitrião não acreditava nas palavras do hóspede e sustentava ser aquele lugar o melhor do mundo.

– Um dia, quando chover bastante, eu voltarei para a minha casa e poderei levá-lo para conhecer o rio onde eu moro – dizia o peixe visitante. O peixe do tanque respondia:

– Eu irei com você apenas para conhecer a sua casa e ver se realmente ela é grande do jeito que você conta. O tempo da chuva voltou e uma nova enxurrada levou para longe os dois peixes. Ao ver tanta água, o peixe que vivia no tanque custou a acreditar que não era um sonho.

– Só acredito porque os meus olhos estão vendo – falou o peixe da reserva florestal – realmente este lugar é bem maior do que aquele em que eu fui criado. A partir daí, a amizade entre eles se fortaleceu e onde um estava podia-se ver também o outro.

Depois dos questionamentos dos adversários, das dúvidas e ambições dos discípulos, o evangelista Marcos nos apresenta a cura do cego Bartimeu. Jesus sai de Jericó e caminha rumo a Jerusalém onde acabará crucificado. A multidão que o segue pode nos enganar. Parece uma marcha triunfal, mas na hora da decisão bem poucos ficarão com o Mestre da Galileia. Falta muito, ainda, para eles acreditarem, de verdade, em Jesus. O que estão vendo é muito bonito, são os sinais de uma humanidade curada das doenças, mas sobretudo liberta das disputas pelo poder, das amarras de uma Lei que sufocava pelo peso dos preceito s e o medo da impureza. No entanto, ainda falta entender e acolher a lição de amor que Jesus dará a todos na cruz. Falta acreditar que a sua vida doada para nos resgatar a todos do pecado e da morte nos fará voltar à vida plena, a vida de filhos e filhas de Deus Pai. Os discípulos ainda enxergam pouco, conseguem ver só de perto, estão acomodados nos seus projetos pessoais ou de grupo. Precisará o escândalo e a vergonha da cruz, a luz da ressurreição e a iluminação do Espírito Santo para acreditar no amor sem limites do Pai, que Jesus veio nos revelar.

Todos precisamos sempre ser curados das nossas cegueiras para poder acreditar e confiar no Senhor. Por isso, o evangelista Marcos coloca, aqui, a cura do cego de Jericó. Em síntese, nos é apresentada a sucessão de ações que todo discípulo deve fazer se quer caminhar com a luz da fé. O cego tem nome, porque a relação com Jesus é pessoal. Ele ainda está à beira do caminho, mas grita por socorro. Não se cala, porque não se conforma com a sua situação. Ao ser chamado, pula sem incertezas. Quando é perguntado sobre o que ele quer responde decididamente: “Mestre, que eu veja!&rdquo ;. Logo os seus olhos se abrem e, agora, com a luz da fé, pode seguir Jesus pelo caminho. Ainda vão acontecer os fatos da paixão e da morte de Jesus; a fé dos discípulos será duramente provada, mas a primeira decisão de cada cristão já foi tomada: basta de cegueira, quero ver, quero crer, quero seguir a Jesus. Ele não nega a luz da fé e do amor a quem a busca com firmeza, alegria e esperança. Ele tem compaixão de nós e vem em nosso socorro.

Somos em muitos a continuar incrédulos e indecisos. Todos fazemos a experiência da “penumbra da fé” neste mundo. Temos medo ou vergonha de dizer que duvidamos. Sempre tem alguém que nos manda calar, quando gritamos por mais testemunho e exemplo. A fé cristã é pessoal, mas é também solidária. Cremos juntos, como irmãos e amigos. Todos recebemos ajuda e podemos ajudar outros. Os pais ensinam os filhos; os jovens partilham com outros jovens. A compreensão e a vivência da fé acontecem na comunidade que experimenta e celebra aquilo que acredita. Graças a Deus, sempre tem alguém que nos ajud a a enxergar mais longe, a sair do conforto do tanque onde pensamos acabe o mundo e o sentido da existência humana. Bendita a enxurrada da fé!