Dom Pedro Conti

O verdadeiro inimigo


A velha rata mandou o filho atrás de comida; recomendou-lhe, porém, que se guardasse do inimigo. O ratinho, após a primeira curva, viu um galo. Voltou correndo junto à mãe e descreveu o inimigo como um bicho soberbo, de crista enorme e vermelha.

– Não é esse o nosso inimigo – falou a rata. E mandou o filho de volta. Desta vez, o pobre ratinho esbarrou num peru. De novo correu para o regaço da mãe e, tremendo-se todinho, descreveu o peru como um animal enorme e de olhar terrível, pronto para matar.

– Também este não é o nosso inimigo – tranquilizou-o a mãe – O nosso inimigo caminha silencioso, de cabeça baixa como uma criatura muito humilde; é macio, discreto, de aparência amável e deixa a impressão de ser inofensivo e bondoso. Se topares com ele, meu filho, toma cuidado!

Já sabemos quem é o inimigo dos ratos. Mais difícil é reconhecer o “nosso” inimigo. Com efeito, nós todos procuramos nos defender quando percebemos a agressividade ou a maldade do adversário. Mas, se aquele que quer a nossa ruina se apresenta sob as aparências de um companheiro cativante e simpático, fica difícil reconhecer a sua armadilha.

No evangelho deste domingo, Jesus quer ajudar os seus discípulos, que enviou em missão no mundo, a discernir de quem devem se guardar e de quem não precisa. Na nossa maneira de pensar, nós sempre temos muito medo, em primeiro lugar, de quem pode nos machucar e até nos tirar a vida. Jesus pensa diferente. O nosso verdadeiro inimigo não é aquele que pode nos matar, mas aquele que, junto com a vida deste mundo, pode nos afastar para sempre do amor de Deus e do próximo. Aquele que pode destruir “a alma e o corpo”. Com certeza, Jesus não quis nos dizer que devemos ser incautos e irresponsáveis, arriscando a vida à toa. Ele nos convida a sermos simples como as pombas, mas também prudentes como as serpentes (Mt 10,1). O que aqui está em jogo, não é, portanto, a vida corporal, mas a outra Vida que somente Deus pode dar porque, afinal, é ele mesmo que se doa.

Nesta altura, precisamos nos perguntar, honestamente, se acreditamos nas palavras de Jesus. Todos nós estamos dispostos a defender, com unhas e dentes, a nossa pele e o nosso bolso que, parece, estar grudado nela. “Unhas e dentes” evoluíram; hoje são o poder econômico, a corrupção, as mentiras, as falsas promessas, as bombas atómicas, as bombas de efeito “moral” (leia-se: para amedrontar) e assim por adiante. Se compararmos as despesas mundiais com os armamentos e aquelas com a saúde pública, a saúde dos pobres, j& aacute; sabemos de que lado vai cair o prato da balança. Quantos hospitais poderiam ser construídos com o preço de um míssil? Quantos pratos de comida correspondem ao custo de um drone guiado por computadores? Ao contrário, quase nada gastamos para promover a paz, a fraternidade, para defender o planeta da poluição, para garantir alimentos saudáveis às próximas gerações.

A fome do lucro está matando as nossas “almas”, entorpecendo os nossos sentimentos, esfriando a nossa sensibilidade. De sobra, ela engorda a nossa indiferença, o nosso medo de perder a vida biológica numa disputa inútil e egoísta pela sobrevivência. Pensando que vamos salvar o corpo, acabamos perdendo, junto com ele, também a alma, o sentido e os valores da vida. Corpo e alma somos cada um de nós. Não nos salvamos ou nos perdemos em pedaços, mas numa única vida, sopro da Vida de Deus. Para ele nós somos mui to preciosos. O Pai não quer perder nada e ninguém, porque nos ama a todos e “deu” seu Filho para nos salvar. Somos nós que desvalorizamos tanto este amor de Deus, que não temos medo de perdê-lo. Gastamos tempo e saúde para correr atrás de coisas pequenas e desperdiçamos as grandes. Deus e o seu amor passaram em último plano. Temos medo de um Crucificado. Assim, o inimigo triunfa. Mata-nos no corpo e na alma no maior conforto, na maior mordomia, na maior diversão. De barriga cheia e de coração de pedra, sempre insatisfeitos. Deveríamos tomar cuidado. Muito cuidado ainda é pouco.