Dom Pedro Conti

Oculista ou Dentista?


Um jovem estudante recém-formado, desejava receber o conselho de um sábio eremita para escolher a faculdade universitária à qual queria escrever-se. Apresentou a sua dúvida ao homem de Deus com estas palavras: – Eu gostaria ser oculista, mas os meus parentes querem que eu seja dentista, porque dizem que se ganha mais. O que o senhor acha? – Meu fil ho – respondeu o sábio – ambas são profissões altamente remuneradas, mas lembra, os olhos são só dois, ao passo que os dentes são trinta e dois!

Mais uma brincadeira dos antigos sábios, homens de fé, sempre capazes de espalhar o sorriso ao seu redor. Contudo, aqui aparece uma questão, hoje, talvez mais que no passado, que, muitas vezes norteia a decisão dos jovens na busca do seu próprio caminho na vida: a remuneração ou compensação que seja. Vale a pena estuda r tanto para ganhar tão pouco? Quais as profissões – honestas – que dão mais lucro? Como em muitas outras situações parece que o desejo de “ganhar” esteja se tornando se não a maior, ao menos, uma das razões mais motivadoras das escolhas juvenis ou, também, daquelas pessoas que ainda buscam o seu papel na vida e na sociedade. Por isso as palavras de Jesus aos pescadores do mar da Galileia, que encontramos no evangelho de Mateus deste domingo: – Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens. – (Mt 4,19) não deixam de soar como muito diferentes, desafiadoras e, para tantos, talvez novas. Com certeza também é fácil entendê-las endereçadas aos outros, nunca a cada um de nós. Será?

Sem dúvida a página de Mateus apresenta o chamado dos primeiros discípulos. Mais tarde, Jesus escolherá “os doze”, um grupo menor entre o número maior de homens e mulheres que o seguiam. Ainda hoje entendemos que existe um chamado, uma vocação especial, para seguir Jesus assumindo, neste caso, as funções do minist& eacute;rio ordenado como pastores das Comunidades dentro da nossa Igreja Católica. Sempre rezamos e rezaremos para que não faltem “operários” para a messe do Senhor, ou seja, padres para servir ao Povo de Deus. No entanto, cada vez mais hoje entendemos que os convites de Jesus têm reflexos e valor, digamos, para todos e todas. Algo semelhante acontece, por exemplo, com a paternidade e a maternidade. Tantos homens e mulheres são pais e mães – e não só espiritualmente – porque amam e server irmãos e irmãs que precisam deles de uma maneira tão amorosa e familiar que, quase, disputam o afeto com os pais e as mães biológicos. Assim também na Igreja, hoje falamos muito de missão, de sermos, nós todos batizados “missionários”, enviados a dar o testemunho da alegria do Evangelho com a nossa vida lá onde as circunstânci as nos c olocaram. Ser “pescadores de homens” ou, digamos, “missionários”, não significa “arrebanhar” pessoas para o nosso grupo, movimento, comunidade ou mesmo Igreja. Ser missionários é, a meu ver, muito mais a capacidade de “lançar as redes para águas mais profundas” para alcançar quantos ainda não ouviram falar de Jesus ou ouviram falar dele tão mal e de maneira tão distorcida que ele foi rejeitado mesmo antes de conhecê-lo de verdade.

Estou convencido que a recusa da Boa Nova de Jesus, a rejeição da sua pessoa e da sua mensagem, não dependem da inutilidade ou banalidade da proposta dele, mas, decididamente, da maneira como ela lhes foi apresentada, através do testemunho daqueles e daquelas que declaram acreditar nele. Com certeza a culpa não é do Evangelho em si, porque , ainda hoje, ele motiva e anima a doação da própria vida de milhares de homens e mulheres por causa do Reino de Deus. A culpa das redes estar vazias, é nossa. Ficamos calculando as perdas e os ganhos. Estamos preocupados com a opinião dos colegas, de sermos apontados como beatos ou beatas, servidores de um lendário rei de outros tempos. Ao contrário, não temos receio de dizer que queremos ganhar a qualquer custo, que nos atraem as profissões mais lucrativas, melhor ainda se com bastante dias de folgas e muitos privilégios. A questão não é ser “oculistas ou dentistas”, mas querer amar e servir mais, lavando os pés a quem precisa. Sem cálculos.