Dom Pedro Conti

Os remendos de Carlinhos


O rei Cômodos era muito generoso, leal e valente. No entanto, tinha um defeito: a vaidade. Certo dia, ele mandou chamar Carlinhos, o poeta da corte, e o avisou que no dia do seu aniversário ofereceria um grande banquete. Todos os convidados deviam comparecer com o melhor traje possível para provar a todos a inigualável generosidade do rei. Ele também devia mostrar, com a sua roupa, quanto o rei sabia reconhecer o valor das pessoas e das suas artes. Quando chegou o dia, o salão nobre do Palácio estava repleto de homens e mulheres extremamente elegantes, dispu tando em luxo e agradecimentos ao rei. Quando compareceu Carlinhos, porém, a roupa dele despertou a hilaridade de todos e muita raiva no soberano. O poeta ostentava traje de mendigo; o vestido era feito de remendos costurados de todo e qualquer jeito. O rei gritou:

– Ó ingrato, quer humilhar o seu benfeitor? Esqueceu de todos os favores e presentes que recebeu de mim? Vai pagar com a sua vida a louca zombaria e a afronta que me fez! O poeta, com o devido respeito, pediu a palavra e disse:

– O senhor é o maior e o mais generoso de todos os reis. Os que zombaram de mim, o fizeram sem razão alguma. Esta roupa, feita de remendos tão diferentes, é a mais bela homenagem à sua magnanimidade. Eles são pedaços dos sacos em que eu recebi dinheiro de sua majestade. Os guardei com gratidão e, pela quantidade, todos podem ver quão grande foi a sua generosidade. O rei teve que reconhecer a ousadia e a criatividade do poeta. Pediu aplausos para ele e ficou ainda mais orgulhoso da sua própria bondade. Carlinhos ganhou muita popularidade , mas todas as vezes que juntava mais um pedaço de pano àquela veste, lembrava o perigo do qual tinha escapado.

No evangelho deste domingo, Jesus fica feliz com todos aqueles que ajudam os que sofrem e fazem até milagres, também se não pertencem ao restrito grupo dos seus seguidores. Ele promete uma recompensa a quem der nem que seja somente um copo de água aos seus amigos. Usa, porém, palavras muito duras para aqueles que escandalizarem os pequenos. Enfim, vai ser difícil entrar no reino de Deus sem cortar pela raiz as causas do pecado. Talvez, essas palavras de Jesus foram ditas em momentos e circunstâncias diferentes, mas o evangelista Marcos as pôs em seguid a. Se colocamos como pano de fundo o anúncio, cada vez mais claro, do reino de Deus, conseguimos entender melhor.

Em primeiro lugar, fazer parte do reino é uma meta alta que exige escolhas claras e corajosas. Com as mãos, construímos objetos e amizades. Se plantamos o bem, colheremos a paz. Se espalhamos o mal, produziremos ódio e divisão. O pé lembra o caminho que devemos seguir, custe o que custar. O olhar pode ser ganancioso ou compassivo, invejoso ou fraterno. O que não serve para o reino de Deus deve ser cortado, porque nenhuma escolha é indiferente, todas têm consequências, pelo bem ou pelo mal. Assim, também, o simples gesto de um copo de água oferecido por causa de Cristo, terá a sua recompensa. O bem grande, que muda o mundo, é o resultado de muitas ações pequenas e, aparentemente, insignificantes. O que vale não é quantidade doada, mas a grande vitória sobre a insensibilidade do doador. Os humildes e os puros de coração acreditam na grandeza e na força dos pequenos gestos de amor. Ficam escandalizados quando descobrem que a caridade, pequena ou grande que seja, foi feita por interesse e não por generosidade. Não foi amor, foi negócio, troca, autopromoção. O maior “milagre” que pode acontecer em nossa vida é vencer a ganância com a partilha, superar o ódio com o perdão, transformar um coração árido e insensível num coração amoroso e solidário. Para Jesus toda bondade sempre será bem-vinda. Não é justo desprezar a generosidade dos outros para enaltecermos a nossa. O amor verdadeiro não leva o nome de uma Igreja ou de outra. Se for por vaidade, de qualquer lugar venha, é tudo falso. O bem sincero não precisa de desfile de moda. Até farrapos servem para lembrar e aprender.