Dom Pedro Conti

Ouça bem os sinos


Uma moça queria casar a todo e qualquer custo. Arranjou um namorado que não convinha e seus pais não queriam o relacionamento. A moça foi conversar com o padre, seu orientador:

– Padre, eu tenho que casar, arranjei um namorado, mas os meus pais não querem o namoro, mas eu tenho que casar, estou convencida que vai dar tudo certo. Ela insistiu tanto que o padre não sabia mais o que dizer. Naquele momento, os sinos da igreja tocaram e a moça logo falou:

– O senhor está ouvindo, até os sinos estão dizendo: “Tem que casar, tem que casar”… Perante tantas “certezas”, o que mais podia fazer o pobre padre? A moça foi embora e casou com o rapaz. Depois de um ano, ela voltou a procurar o mesmo padre, na mesma igreja, e desabafou:

– Padre, não aguento mais o meu casamento; meu marido é uma desgraça, estou desesperada, o que eu faço? Naquele momento, os sinos da igreja tocaram novamente e o padre falou:

– Agora quem vai interpretar as badaladas dos sinos sou eu; ouça bem o que eles estão dizendo: “Tem que aguentar, tem que aguentar”…

O assunto do evangelho de Marcos, deste domingo, é o questionamento dos fariseus sobre a licitude do divórcio. Uma questão muito discutida que lhes dava a possibilidade de pegar Jesus em contradição com a “Lei”. Não buscavam um ensinamento, mas algum deslize por parte dele. No entanto, na sua resposta, Jesus não discute a Lei de Moisés e a permissão dada por ele de se divorciar. Jesus vai direto ao “começo” e apresenta o primeiro casal da criação como o modelo a ser seguido. O homem e a mulher, com todas as suas diversidades, formam uma só carne. “O que Deus uniu, o homem não separe”. Signif ica que esse era – e continua sendo – o projeto de Deus e ele mesmo é quem garante da união dos dois. A comunhão entre eles é um dom do Pai aos seus filhos e filhas e não somente fruto da vontade deles. As características de unicidade e fidelidade do matrimônio são chamadas a ser o sinal humano da unidade e da fidelidade do próprio Deus. Com efeito, nele não há divisão ou desvio das suas palavras e promessas. O Deus que Jesus veio nos fazer conhecer continua sendo o “Deus fiel” do Antigo Testamento, capaz de manter as suas promessas e de enviar e entregar o seu próprio Filho para resgatar a humanidade do pecado e da morte. Deus nunca deixou de amar o seu povo, também se este o trocou com os ídolos estrangeiros. Isso por que Deus ama até o fim (Jo 13,1)! Além disso, Jesus nos fez conhecer um Deus “unitrino”; ou seja, um Deus &uacu te;nico, mas também comunhão perfeita de amor entre três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

A grande questão é saber se é possível para nós, pobres seres humanos, limitados e pecadores, realizar uma união e uma fidelidade tão grandes que, ao menos de longe, sejam um sinal da comunhão e do amor perfeito e fiel do próprio Deus. São Paulo, na carta aos Efésios, falando do amor matrimonial, dos maridos que devem amar as suas esposas como Cristo amou a Igreja, no final diz que “este mistério é grande” (Ef 5,32).

Atualizando a nossa conversa para os dias de hoje, existem muitas opiniões a respeito do matrimônio. Os cristãos fazem parte da sociedade moderna com todas as suas conquistas e contradições, mas devem saber olhar e acreditar além daquilo que é considerado o pensamento comum, da moda ou da maioria. Muito se fala da família e pouco do casal como fundamento dela. A tão badalada “crise” da família ou dos seus modelos, começa lá onde a família se alicerça: no casal, que decide iniciar a aventura do amor conjugal. Papa Francisco já disse isso muitas vezes e de muitas maneiras: se, desde o início, o casal n&a tilde;o acredita na força duradoura do amor, é sinal que não é amor verdadeiro. Se o casal não coloca na conta do seu matrimônio a doação e a gratuidade reciproca, o perdão e a fidelidade à palavra dada, as chances que a união dê certo ficam muito reduzidas. À primeira dificuldade, ao primeiro desencanto, tudo desmorona. Os sinos badalando, podem dizer: “Tem que aguentar”. Mas podem também lembrar o amor fiel e dizer: “Acredite”, “Acredite”, porque nada é impossível para Deus.