Dom Pedro Conti

Rogai por nós pecadores


O fato de celebrar o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, neste domingo, já seria suficiente para refletir e agradecer. Chamamos Maria, de Nossa Senhora e, com mais carinho ainda, a declaramos “mãe de misericórdia”. Acreditamos na sua proteção, na sua intercessão junto a Jesus, como mãe amorosa que nunca desampara os seus filhos. No entanto encontrei uma história tocante. O beato Tito Brandsma foi um padre holandês, morto no dia 25 de julho de 1942, após longos sofrimentos no campo de concentração nazista de Dachau. Quem deu esse depoimento foi nada menos que a própria enfermeira que, naquele triste dia, injetou-lhe, na veia, o ácido fênico que o mataria. A enfermeira já havia reparado que aquele preso era diferente de outros; sofria em silêncio e a tratava bem, apesar dela usar maus-tratos com ele e com os demais. Foi a ela que padre Tito entregou o terço de madeira e arame antes de receber a injeção fatal. A princípio, ela recusou o presente, porque disse que não sabia rezar. Padre Tito lhe respondeu: “Não é preciso dizeres toda a Ave-Maria, mas diz apenas: Rogai por nós, pecadores”.

Aquela enfermeira estava acostumada a injetar o líquido mortal nos presos condenados, tinha feito isso centenas de vezes, mas, dessa vez, sentiu-se mal durante todo aquele dia. Nos processos canônicos para a beatificação do padre Tito Brandsma, a mesma senhora explicou que o rosto daquele velho padre tinha ficado impresso na memória dela, para sempre, porque nele havia lido algo que nunca tinha visto. Disse simplesmente: “Ele tinha compaixão de mim!”. Ela contou que o médico do campo chamava aquela injeção de “injeção da graça” porque acabava, com a morte, todos os sofrimentos daqueles presos. Mas naquele dia, enquanto a enfermeira a injetava, a oração de padre Tito d erramava sobre ela a graça de Deus. Deus lhe concedeu esse último milagre. Ela aprendeu a crer e a rezar “Rogai por nós pecadores”.

Pedimos sempre muitas graças e favores a Maria. Não sei se imploramos, também, a cura dos nossos pecados, porque misericórdia é também perdão, reconciliação, cura do ódio e das vinganças, abraços de reencontro. Por que é tão difícil pedir perdão? Porque é muito difícil nos reconhecermos pecadores, aceitar que erramos e nos deixamos levar por maus sentimentos. Ou ainda, admitir o medo que os bons sentimentos – de compaixão e solidariedade – comecem a habitar em nosso coração. Assim, refugiamo-nos na indiferença, na insensibilidade, fechando olhos e ouvidos. Talvez não façamos tantas coisas erradas, tanto mal, n&atild e;o sejamos causa de sofrimento e lágrimas para os outros, mas também não nos deixamos incomodar pelas injustiças, pela exclusão social, pelas carências dos irmãos. É triste dizer isso, mas parece que temos medo de ser bons, misericordiosos, compassivos. É o bem dado e recebido que muda os relacionamentos, transforma os corações, gera paz, vida nova, alegria. Só o amor abre caminhos novos, faz renascer a esperança. O mal afasta, entristece, fecha-nos na amarga solidão.

No evangelho deste domingo, ao único leproso curado que volta para agradecer, ajoelhado aos seus pés, Jesus diz: “Levanta-te e vai! Tua fé te salvou”. Salvou de quê? Já não estava curado da lepra? A “cura” de Jesus vai muito além da doença física. Essa, muitas vezes, não se realiza como nós pensamos, mas a nossa oração não é inútil, nunca está perdida. Sempre é ouvida. Se confiamos e acreditamos, acontece a cura espiritual, a capacidade também de sermos misericordiosos, de termos compaixão, de darmos amor. É isto que está faltando na nossa oração. Quando rezamos as Ave-Marias, deveríamos pedir, tam bém, a cura do egoísmo e da indiferença. Deveríamos pedir a força e a coragem de nos amar mais, de nos doar mais, de sermos mais humanos e fraternos.

No Círio, neste Ano Santo da Misericórdia, repetimos todos: Salve Rainha, mãe de misericórdia, rogai por nós pecadores! Somos pecadores, mas pedimos para ser curados, perdoados, salvos. E agradeçamos pelo perdão. Misericórdia e gratidão andam juntas.