Dom Pedro Conti

Três coisas


Um estudante medíocre, de pouca vivacidade, reclamou com o seu mestre que lhe faltavam belas roupas, uma chácara bem produtiva e uma linda mulher, justamente as três coisas que, segundo o Talmude, o livro que interpreta, comenta e exemplifica a Lei judaica, servem para dilatar a inteligência.
– Veja bem, meu filho – respondeu-lhe o mestre com voz calma e suave – essas três coisas servem só para desenvolver a inteligência do ser humano e não para criá-la. No seu caso… não lhe adiantariam em nada.

Já refletimos, domingo passado, sobre a “inteligência” das coisas de Deus. Esta “sabedoria” é diferente dos saberes humanos, é dom do próprio Deus e não fruto esmerado de conhecimentos e raciocínios intelectuais. É dessa maneira que Jesus responde aos discípulos que lhe tinham perguntado por que ensinava em parábolas: “Porque a vós foi dado o conhecimento dos mistérios do reino dos céus, mas a eles não é dado” (Mt 13,10-11). As parábolas de Jesus são, portanto, em primeiro lu gar, uma revelação do próprio Deus que quer se fazer conhecer para poder ser amado. Contudo, nós continuamos a ser criaturas limitadas e nunca conseguiremos esgotar as maravilhas de Deus. Por isso, iniciando neste domingo a leitura do capítulo 13 do evangelho de Mateus, que é o chamado “discurso em parábolas”, podemos ficar entusiasmados pelas histórias, mas, ao mesmo tempo, apreensivos pela linguagem simbólica.

O que o Senhor, quer nos dizer afinal? É uma pergunta legítima que sempre pedirá uma resposta aberta, dinâmica, cheia de surpresas, porque Deus não se explica só com palavras humanas ou afirmações doutrinais. A condição para entender as parábolas é nos deixar envolver, nos deixar conduzir por dentro da sucessão dos acontecimentos. A resposta nunca será puramente intelectual, exigirá participação, risco, conversão, misericórdia. Ouso dizer que as parábolas devem ser vividas, experiment adas para dinamizar, também, a nossa fé. Assim é que se descortinam, para os que confiam em Jesus, “os mistérios do reino dos céus”. No “mistério” de Deus, entramos, navegamos, nunca chegamos ao fim, mas nunca cansamos. Ao contrário, ficamos mais felizes.

A parábola do semeador, que abre este capítulo do Evangelho de Mateus, é exemplar. Tem algo ilógico e inconveniente: onde se viu semear na beira da estrada, nas pedras ou no meio dos espinhos? Um empresário “inteligente” semearia só e exclusivamente em terra boa. Por que correr o perigo de desperdiçar semente, tempo e energias? Tudo é dinheiro! Evidentemente a “lógica” do reino dos céus é diferente. O Semeador semeia com fartura e se entendermos que esta semente, que brota logo mesmo em condições adversas, é ; a Palavra de Deus – como o próprio Evangelho explica – só podemos nos admirar da generosidade do Pai. A todos é oferecida, de mil maneiras, a possibilidade de acolher algo bom e fecundo: uma mensagem, uma proposta, um exemplo. Talvez tenhamos que reconhecer, objetivamente, que todos nós desperdiçamos sem dó infinitas possibilidade de bem, de aprender caminhos mais honestos, mais simples e humildes. Quantos cristãos adultos sepultam no esquecimento os bons sentimentos que aprenderam e experimentaram na infância e na juventude. A fé simples daquele tempo não vingou. A oração decorada não se tornou confiança e intimidade com o Pai. Quantas verdades, que outrora nos pareciam maravilhosas, foram jogadas fora, se não como lixo, talvez como algo de inútil e supérfluo. Confundimos ser adultos com deixar de crer; não fomos o bom terreno que multip lica as sementes. O que estou dizendo não é uma crítica, é um convite a um exame de consciência pessoal, mas, também, para as nossas comunidades que se esforçam para semear a fé e o amor de Deus no coração dos cristãos. Estamos convencidos, graças a Deus, que a semente da Palavra é excelente, insuperável, viva, pronta a enraizar. O que fazemos para que os terrenos das nossas vidas sejam mais acolhedores e mais fecundos? É o desafio da evangelização, mas talvez também da nossa “inteligência” e das nossas escolhas.