Dom Pedro Conti

Um pobre morto


Em 1916, morreu Francisco José, imperador da Áustria. Por muitos anos, ele soubera conservar, sob o poderio paternal do seu cetro, muitos povos que antes viviam em contínuas guerras. O féretro foi levado à cripta da igreja dos Padres Capuchinhos de Viena, onde jazem outros reis e imperadores. O mestre de cerimônias bateu à porta.

– Quem é – perguntou do lado de dentro, segundo o cerimonial, um padre capuchinho.

Os cortesãos responderam: – Francisco José, imperador e rei.

Lá de dentro, a mesma voz austera do frade respondeu: Não o conheço.

Um momento de silêncio dentro da cripta. Do lado de fora, à porta, deliberavam os senhores e políticos. Batem outra vez. E outra vez insiste de dentro o guardião daquelas tumbas:

– Quem é?

– Francisco José de Habsburgo – respondem de fora os que sustentam em seus ombros o régio féretro. E de novo ouve-se a voz do frade:

– Não o conheço.

Mais um momento de silêncio. Mais um instante de deliberação. Urge, porém, entregar aqueles restos mortais que foram ontem de homem tão grande e que hoje ninguém os quer em parte alguma. Por isso, após um instante de imponente silêncio, outra vez a voz do Capuchinho interroga:

– Quem é? –

E o que responde em nome da política e da grandeza do império austríaco diz agora:

– Um pobre morto.

A voz serena e imutável do guardião daqueles túmulos responde imediatamente:

– Entre! Abrem-se as portas, entra o cadáver e, ali, como pobre morto, foi enterrado o celebre Francisco José, rei e imperador da Áustria. É certo que a morte nivela tudo.

Tem assuntos que nos incomodam. Não gostamos de enfrentá-los. Preferimos sempre deixá-los para depois, achando que será possível evitá-los. Só que eles são tão reais quanto a nossa própria vida. Um deles é a morte, certa para todos. O outro, objeto de tantos conflitos entre os herdeiros, também não oferece opções: nada carregaremos deste mundo, teremos que deixar tudo. Tudo mesmo. Desde quando nascemos e começamos a entender alguma coisa sabemos desta condição humana, no entanto, continuamos a querer acumular bens e dinheiro numa guerra contra os nossos semelhantes ou, como dizem os psicólogos, contra a nossa própria morte. Já somos perdedores antes de começar o jogo. Mas se a vida n&atil de;o serve para provar que somos os melhores, que somos mais inteligentes e poderosos, para que serve? Que gosto teria uma existência sem o prazer de enganar os outros, sem a mola da ganância e do lucro? Ou simplesmente sem ambições, sem pódios, sem medalhas, sem reis e rainhas, sem campeões? Será que Jesus, contando a parábola do rico “louco” queria esvaziar o sentido da nossa vida tão ocupada com os nossos negócios e disputas? O que nos resta, então?

As respostas estão no próprio evangelho deste domingo. Jesus nos apresenta um alerta e uma conclusão clara: “Assim acontece com quem junta tesouros para si mesmo, mas não é rico diante de Deus” (Lc 12,21). A chamada de atenção é sobre “todo tipo de ganância”. Simplesmente porque “a vida de um homem não consiste na abundância de bens”. Esse é o grande engano: fazer coincidir o sentido da vida com a fartura. Ele mesmo, Jesus, seria o maior fracassado da história; não morreu somente pobre, mas também condenado e desprezado. A beleza da vida que ele ensinou e viveu foi muito diferente. Ele doou esperança e alegria aos excluídos. Mostrou aos pecadores o rosto misericordioso de um Deus Pai que n ão condena ou castiga, mas ama a todos e festeja o reencontro com quem estava perdido. Com uma vida simples e fraterna, feita de convivência e partilha, ensinou que a felicidade pode ser encontrada somente junto aos outros, carregando, solidários, alegrias e tristezas. Sentiu compaixão e chorou pelo sofrimento dos irmãos; exultou pelo entusiasmo dos pequenos que confiam em Deus. Também de Jesus disseram que estava fora de si. Também ele foi sepultado como um pobre morto. Mas Deus Pai o ressuscitou. Não podia ficar no túmulo aquele que, por amor, tinha doado tudo, até a própria vida. A loucura do amor é o único tesouro que vence a morte.