José Sarney

A arte de jogar dados


Que momento em que surgiu o homem. Os segredos da sorte, o jogo da vida, do corpo, da alma estão no homem.

O mais moderno e excitante é o da Bolsa, caótico, barulhento, histérico, cheio de gestos, telefones e balbúrdia, em que participam visíveis e invisíveis, na mesa de operação e nos mais altos cenáculos de decisões.

Sua invenção cibernética é do fim do século passado e estruturada em avançadas tecnologias de computador e meios de comunicação. É tão sofisticado, porque, jogado no mundo inteiro, caminha com o fuso horário, gira com a Terra e envolve apostas cósmicas e danos fenomenais. Pode ser jogado, também, nos computadores programados para processar variáveis e oportunidades.

Meu avô dizia que os vícios do homem eram cinco: beber, fumar, tomar rapé, jogar e gostar de mulher. Não sei por que testemunhava que já vira pessoas que abandonavam quatro desses prazeres, mas nunca conhecera ninguém que abandonasse o vício de jogar. É o único que não é atingido pelas restrições da idade e da saúde, como os outros.

O Brasil globalizado não escapa da festa. Joga-se na loteria. Joga-se na Super Sena, na Mega Sena, na Sena, na Quina, na Loto, no Bicho, na Loteria, na raspadinha, nos bingos, na televisão, em casa, na rua, no trabalho, em certas igrejas e até na compra de produtos. Se tanto não bastasse, ainda querem abrir os cassinos, como se já não tivéssemos tudo de um grande cassino. Cada jogo tem uma justificativa. A abertura dos cassinos é necessária para a criação de empregos (sic!).

O poeta Correa de Araújo, grande parnasiano, desenvolveu-me certa vez a teoria de que o jogo do bicho fora inventado por Deus, para acudir a pobreza, e não pelo barão de Drumond, para ajudar o zoológico. Assim, o Criador fazia o pobre sonhar, e do sonho vinha o palpite, e do palpite, o ganho que o socorria em dias de dificuldade.

Genolino Amado também contava na Academia o caso de sua empregada que ganhou uma bolada no número 380. E lhe disse que foi Deus que a iluminara. Ao sair de casa, meteu o pé num buraco e imediatamente desvendou o palpite: buraco é zero e ela calçava 38, ficou fácil compor o 380 e acertou no milhar. É o pecado do Santo Nome em vão.
Cervantes, nas “Novelas Exemplares”, conta a história de dois espertos, Cortado e Rincón, que eram exímios na “ciência vilhanesca”, assim chamada porque atribuíam a um desconhecido Vilhán a descoberta do jogo de cartas.

Eram tão hábeis que, em poucos minutos, entre tramóias e habilidades, ganhavam “dois reais e vinte e dois maravedis”. Comparando com o jogo da Bolsa, é um fóssil lúdico, coisa de anjo e cheira a mofo.

Einstein, o homem da relatividade, afirmou, quando descobriu as regras imutáveis das leis físicas que governam o universo, que “Deus não joga dados”. Pois, hoje, com o mercado financeiro neoliberal globalizado, somente Ele escapa de fazer sua aposta.

O vício do jogo serviu nos primórdios para encher o ócio, ocupar o tempo e, agora, é um tormento capaz de destruir economias e nações, com o mais moderno deles, o jogo da especulação financeira, ou melhor, a “ciência soronesca”, de Soros, o filósofo.

É que as leis físicas são imutáveis, ciências exatas. As outras ficam ao sabor da sorte, que agora não está muito para a nossa roleta.