José Sarney

As leis eleitorais — I


Sempre fui um crítico da legislação eleitoral brasileira. Desde que cheguei à Câmara, interessei-me pelos projetos que ali tramitavam — e eram muitos! — dispondo sobre a modificação de diversas normas para as eleições. A começar pelo Código Eleitoral, que nasceu desatualizado.

Assim, algumas instituições nossas, como o voto proporcional, remontam ao século XIX, quando Assis Brasil promoveu uma grande campanha pela proporcionalidade nas eleições, baseado na ideia positivista de que todos os segmentos e credos filosóficos deviam ser representados no Congresso Nacional.

Finalmente, a sua ideia foi vitoriosa em 1932, quando redigiu o nosso primeiro Código Eleitoral. A adoção desse tipo de voto, portanto, já vinha envelhecida, e hoje não existe mais em um só país. A Finlândia tem uma coisa parecida, mas que não se compara à bagunça que é o nosso sistema proporcional uninominal.

Ao voto uninominal devemos a multiplicação e o enfraquecimento dos partidos, com a falta de fidelidade partidária. Passadas as eleições, os candidatos de um mesmo partido não podem sentar-se a uma mesa, porque seus adversários na eleição não foram os membros de outro partido, mas os do seu próprio, pois disputam com os companheiros a mesma vaga.

Aliás, o inconformismo com os sistemas eleitorais faz parte de nossa História e vem desde a Constituinte de 23, quando já se discutia que tipo de sistema devíamos adotar para as eleições.
Ao longo do Primeiro e do Segundo Reinado, sempre existia alguém atribuindo ao sistema adotado, em qualquer tempo, a origem dos nossos males. Daí as inúmeras modificações que surgiram ao longo do tempo, buscando sempre a melhoria da legitimidade dos votos.

Não se pode comparar o que acontece hoje com o que ocorreu há quase 200 anos. O voto era censitário, aquele em que o candidato tinha que possuir determinado patrimônio para poder figurar numa chapa. Nem as mulheres, nem os escravos, nem os soldados votavam. Os poucos eleitores que restavam tinham que se submeter a uma eleição que nada tinha de legítima, pois terminava sempre em cacetadas: a arma usada para dissolver as seções eleitorais e quebrar as urnas.

João Lisboa, de quem Capistrano de Abreu dizia ser o melhor historiador brasileiro, no clássico estudo do Jornal de Timon sobre eleições da Antiguidade até o seu tempo, descreve com detalhes e com documentos, além do seu próprio testemunho, o que nelas acontecia.

No fim do Império, o Conselheiro Saraiva — que exerceu muitas missões diplomáticas, inclusive no Prata, foi membro do Conselho de Estado, Presidente do Conselho de Ministros, governador da Província do Piauí e fundador de Teresina — era obcecado por melhorias no sistema eleitoral e conseguiu impor sua reforma, que estabelecia as primeiras “diretas”, abolindo a Lei dos Círculos, nossa versão de voto distrital. A Lei Saraiva proibiu o voto dos analfabetos, restringindo os eleitores a 1% dos brasileiros.

Na República, Campos Sales, que foi Ministro da Justiça do Primeiro Governo do Deodoro, propôs a abolição do voto secreto, estabelecendo que o eleitor devia receber do presidente da mesa o documento assinado com a chapa em que tinha votado. Argumentava ele que a República, cuja origem era o voto popular, tinha que ganhar eleições, mas o que acontecia, na realidade, é que o povo era monarquista e não votaria em republicanos. Sendo assim, propunha ele fraudar as eleições.

Para ter certeza de que tudo ia bem, criou-se a Comissão de Reconhecimento, com que Pinheiro Machado, que a assumiu, podia aceitar ou ignorar o candidato vitorioso nas urnas.
Eu mesmo, em minha longa vida política, presenciei vários sistemas eleitorais. Na próxima semana contarei o que testemunhei e do que participei.