José Sarney

As leis eleitorais – II


Esta semana, participei de uma reunião de líderes e experts em legislação eleitoral. O convite foi feito pelo Presidente da Câmara e do Senado, motivados naturalmente pelos meus quarenta anos de Senado e doze anos da Câmara dos Deputados. Esta longa vida parlamentar me levou a falar e escrever muitas vezes sobre esse tema que está em votação no Congresso. Assim, na linha do que escrevi na semana que passou, volto ao assunto, como prometi.

Comecei, na minha primeira eleição, em 1954, sendo votado nas chamadas “chapinhas”, que nada mais eram do que um pedaço de papel, com o nome do candidato e o cargo pleiteado, levado pelo eleitor; na mesa, era colocado num envelope, que o presidente da mesa rubricava.

Foi o tempo dos cabos eleitorais, cuja missão era trocar as “chapinhas” das mãos dos eleitores. Depois a UDN, meu partido, lutou pela chapa única, que devia ter os nomes de todos os candidatos, com um quadradinho ao lado para o eleitor marcar xis, colocando sua escolha. Essas chapas eram impressas por conta dos partidos e distribuídas por eles aos eleitores, que já as levavam marcadas.
No tempo do Juscelino a UDN defendeu a chapa oficial, o que foi uma grande conquista, já que passou a ser responsabilidade da Justiça Eleitoral fazer as chapas e entregá-las – no momento de votar – aos eleitores, que comprovavam sua condição com o título.

Veio a campanha do alistamento eleitoral, com a luta para colocar a foto do eleitor no título. Com o avanço da tecnologia, fui eu o responsável pelo projeto para que o alistamento eleitoral fosse feito pelo Governo, que já fazia o alistamento militar.

Quando fui Presidente da República, sendo presidente do TSE o Ministro Néri da Silveira, implantamos o título digital, uma espécie de cartão de crédito. Havia muitas dúvidas sobre a viabilidade do sistema eletrônico, mas ele foi paulatinamente implantado, com enorme sucesso, hoje reconhecido internacionalmente.

Mas, se o processo de votação tornou-se confiável, continuamos com o velho — e, quando foi criado, já anacrônico — voto proporcional uninominal. Esse sistema é o responsável pelo paradoxo de ao mesmo tempo termos a total ausência e a proliferação desenfreada de partidos no Brasil. Dele também nasce a vulnerabilidade das eleições ao poder econômico e às práticas heterodoxas de angariar votos. Hoje há total desvinculação entre o eleitor e o eleito. O palco dessa relação deveria ser a geografia, e a escala a da proximidade, ou seja, o distrito municipal; ora, hoje o candidato a deputado procura voto num distrito de um lado do estado, em seguida viaja mil quilômetros para pedir a um eleitor que nada tem em comum com o primeiro.

Em 1977, apresentei um projeto de voto distrital-misto, baseado no modelo mais atual, o alemão. Defendi o parlamentarismo. Introduzi, por projeto de lei, a obrigação do candidato declarar seus bens ao registrar-se. Participei em muitas e muitas reformas e tentativas de melhorar o sistema eleitoral, evitando a fraude e o abuso do poder político e econômico.

Para terminar lembro que a fraude era tanta que, quando fui candidato a Governador, depois de uma revisão eleitoral que eliminou 200 mil fantasmas, apareceu pintado no muro do Cemitério do Gavião, em letras grandes:

– Agradecemos ao TSE não termos de votar nesta eleição, respeitando o nosso direito de descansar em Paz!

Na próxima semana falarei das reformas que estão sendo discutidas.