José Sarney

Em campanha


Quando fui governador, Jânio Quadros esteve no Maranhão na campanha eleitoral para a sua eleição à Presidência da República. Fizemos um programa de visitas a quatro cidades: Coroatá, Pedreiras, Caxias e Timon.

Quando fomos pegar o avião que nos levaria ao interior — era um Cessna 170, um dos três primeiros aviões que, fretados, faziam viagens para o interior do Maranhão —, o Jânio, ao olhar o avião aproximar-se, vendo que era um aparelho muito antigo, cujo aspecto não inspirava qualquer sentimento de segurança, aproximou-se de mim e disse:

— Sarney, é nesse avião que vamos? Você quer um presidente vivo ou um candidato morto?
E afirmou em seguida:

— Nesse avião eu não entro!

Eu fiquei meio sem graça e respondi:

— Governador, o senhor, em São Paulo, tem bons aviões, novos e de último modelo. Mas o senhor é candidato a presidente do Brasil todo. Aqui, nesse avião, viajo com minha mulher e meus filhos. Jamais iria expor o senhor a qualquer temeridade, tenho certeza de sua absoluta segurança.

Falei isso com certo tom de irritação e concluí:

— Mas, já que o senhor não quer ir, nós não vamos.

Ele, então, virou-se para mim e disse (ele gostava de falar dessa maneira quando queria agradar a alguém):
— Sarney, meu bem, você sabe que eu vou, por que fica zangado assim?
Então, entramos no avião, mas ele não deu uma palavra, nem comigo, nem com ninguém.
O avião comportava quatro pessoas: eu, Jânio, o piloto e Millet, presidente das Oposições Coligadas, que apoiavam o Jânio.

Ficou tenso durante todo o nosso voo, olhando para baixo, os olhos fixos no chão — que estava perto, porque esses aviões pequenos voavam mais próximos do solo.

Quando chegou a hora de pousar em Coroatá vimos que o campo de pouso, como todos os campos da época, era muito pequeno e gramado. Lembrava um campo de futebol. Aí eu realmente passei a ficar preocupado e pensei: “E se acontece alguma coisa com esse avião e o Jânio? Realmente, estou cometendo uma temeridade.”

Pousamos, e uma multidão imensa, gritando, com vassouras na mão — que era o símbolo do lema do Jânio, do “Varre-varre, vassourinha!” —, cercou o avião.

Para descer, tivemos uma dificuldade muito grande, porque havia uma desorganização extraordinária, sem nenhuma preocupação com a segurança. A única coisa que estava pronta para sair era o cortejo, que ia desfilar pela cidade até a casa do prefeito e, de lá, aguardar a hora do comício, à noite.
Quando viu a multidão, Jânio transformou-se: era só sorrisos! Quando ele olhou o povo e começou a receber as manifestações de entusiasmo, era outro homem: abriu o rosto, começou a sorrir e dizer, repetindo:

— Que gente boa e animada! Que gente boa!

Ao chegarmos à casa do prefeito, ele foi para o quarto que lhe havia sido designado, trancou-se, chamou o João Brás, o mordomo que o acompanhava nas viagens, e pediu-lhe, discretamente, uma garrafa de uísque — que foi encontrada vazia pelas pessoas que entraram no quarto depois que ele saiu da casa, na hora do comício.

O certo é que nenhum orador ouvi ou conheci que tivesse uma técnica de levantar massas e despertar entusiasmo maior do que a do Jânio Quadros. Não sei se era milagre da bebida ou puro talento de orador popular!