José Sarney

Nomes que clamam aos céus


 

Ester de Assis   Oliveira, 9 anos; Maria Eduarda Martins, 9 anos; Lohan Samuel, 11 anos; Djalma de Azevedo Clemente, 11 anos; Eloah Passos, 5 anos; Rafaelly da Rocha Vieira, 10 anos; Juan Davi de Souza Faria, 11 anos; Heloísa dos Santos Silva, 3 anos: cada uma dessas crianças foi morta à bala no Rio de Janeiro!!!! São nomes que clamam aos céus contra o estado de barbárie em que vivemos, registros da saudade que não passa sentida por suas famílias.

 

Antigamente quando uma criança morria era — o sentido ainda está dicionarizado — chamada de anjinho. É uma boa palavra, pois marca a inocência que levou a História da arte a identificar como puttini — menininho, do latim e do italiano — as figuras rechonchudas de anjos que começaram a encher a arte durante o renascimento.

 

Digo que os nomes clamam, pois os anjinhos já estão no céu, mas suas famílias vivem em terra o inferno, não só da perda irrecuperável como da ameaça permanente de represálias, como se elas, vítimas da mais cruel das perdas, que é a dos filhos, fossem riscos para os assassinos, que correm todos impunes, quando muito nominalmente respondendo em liberdade pelo crime de terem matado — eliminado irrevogavelmente o futuro, os sonhos, os carinhos — alguém que não podia ser, por uma obviedade que não precisa ser lembrada, mas deve ser lembrada, culpado. Claro que, se fosse culpado, também não podia ser morto: mas como a pena de morte, apesar da vedação constitucional e da falta de sentença judicial, em nosso País a todo e cada dia ela é executada em 18 pessoas, nem falemos disso. Anjinhos duplamente inocentes foram mortos, e seus assassinos andam por aí intimidando testemunhas, a começar pelas vítimas sobreviventes, que são a família e os amigos.

 

Ia Heloísa com seus pais pelo caminho em que estava uma “viatura” da Polícia Rodoviária Federal. O pai hesitou se devia parar ou não e acabou ligando o pisca-pisca para encostar o carro. Foi uma “atitude suspeita” e lhes mandaram umas balas, duas das quais atingiram Heloísa.

 

Eloah estava em casa brincando. Uma “ação policial” foi feita na vizinhança em que morava. As balas pipocaram. A avó, na casa ao lado, correu para abrigá-la, mas quando chegou sua filha a tinha nos braços — mater dolorosa —, a ferida irrevogável correndo da chaga no lado.

 

Djalma e outras crianças iam para a escola, ele ao lado da mãe. Uma “troca de tiros” começou, não houve tempo para procurar abrigo: entre os corpos feridos estava, sem vida, o do sacrificado.

 

Lohan, este, não se sabe como morreu. Ele e uma vizinha, de 19 anos, moravam no lugar errado e foram atingidos pelas balas certeiras que lhes tiraram a vida.

 

Ester voltava da escola, parou para comer um pedaço de bolo. Ela e um rapaz de 19 anos estavam no lugar em que começou uma “troca de tiros”. Caíram por balas matados.

 

Maria Eduarda, à noite, via a dispersão de um bloco de carnaval. De repente voou bala para todo lado. Ela e mais vinte pessoas foram atingidas. Não viu o esvair da alegria, levou-a a dança da morte.

 

Rafaelly brincava com outros anjos. Era noitinha. De repente passaram carros atirando. Uma bala de fuzil acabou com a brincadeira e enviou-a para brincar no Céu.

 

Juan estava na varanda de casa enquanto o mundo festejava a passagem do Ano Velho para o Ano Novo. Papocavam os fogos de artifício. Mas o barulho que o atingiu era de tiro. Nunca mais ele verá um novo ano.

 

Diz o Padre Vieira que andam misturados os bens e os males, num permanente antagonismo que faz parte da natureza, céu e nuvem, sol e sombra. Esse dualismo se estende às peças do próprio tempo, mas espaçadas: o verão e o inverno, a noite e o dia. “Mas para haver mal, e bem, basta um só momento!”

 

O bem da vida concedido a estas crianças inocentes existia ao mesmo tempo que as balas que o mal destino distribui aos milhões em nosso País. Só podemos pedir a Deus que ouça o clamor desses nomes e as lágrimas dos que ficam e permita que as crianças possam viver sempre o seu futuro.

 

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