José Sarney

O gosto do pudim


Estamos em ano de alternância do poder.

Eu tenho a noção de que a Presidência da República é um cargo muito difícil de exercer. Henry Stimson, que foi ministro da guerra de Franklin Roosevelt, dizia uma frase célebre: “A prova do pudim só se faz comendo” — só sabe o gosto do pudim quem o provou.

Os que desejam ser presidentes não sabem o gosto da presidência. Eu já fiz essa prova e confesso que não é agradável.

Governei o País em tempos de tempestade.

Sou uma espécie rara, em extinção — sobrevivente de um período de transição do autoritarismo para a democracia. E transição é a tarefa mais difícil da política. Ela tem sido o túmulo de grandes estadistas: transforma heróis em vilões, santos em demônios, mártires em inquisidores, democratas em ditadores e reduz a cinzas grandes lideranças.

Na transição tudo tem a marca do Já. Mudança já. Desenvolvimento já. Pleno emprego já. Paraíso já para agora. A panela ferve. Tira-se a tampa, sai calor, fumaça, tudo queima e está em ebulição. A violência é uma sedução permanente. A demagogia ganha foros de seriedade. Propõem-se soluções simplistas para problemas insolúveis.

O Brasil, depois desse período, ultrapassou o gargalo institucional.

Não foi um passo de circunstância, foi uma opção definitiva de sua História. Há uma consciência civilista consolidada: há uma opção liberal pela economia de mercado, acabou-se a gangorra militarismo versus populismo. O jogo democrático passou a ser o único jogo. Não há opção conspirativa, não há lugar para grupos de ação extremista. O País viveu o choque da democracia e saiu em paz e ileso. É claro que pagamos e continuamos a pagar altos custos políticos, econômicos e sociais.

Mas temos muitas interrogações: qual o espaço que vamos ocupar? Quando superaremos as crises? Qual nosso lugar no panorama mundial? Como apressar a solução dos trágicos problemas sociais e econômicos? Estas perguntas nos levam a outras.

Por exemplo: a posição dos Estados Unidos neste processo. No meu tempo, provei o sabor dos conservadores republicanos — que dizem ser melhores para nós, contradizendo minha experiência. Ronald Reagan e o primeiro Bush nunca facilitaram nossas relações ou nos apoiaram na cena internacional. Trump, no entanto, reconheço, faz com que o mundo daquele tempo pareça menos amargo. A carga de dificuldades pesa mais para quem está começando uma recuperação.

A ninguém interessa essa situação. É preciso criar novos espaços e superar a agenda de sanções e protecionismos que caracterizou a década de 80 e marca novamente as relações com o governo norte-americano. Cabe a nós construir, criar, imaginar uma agenda positiva, aberta a todas as formas de cooperação.

Eu sou político e poeta. Não deixo de acreditar no impossível, nem de sonhar com otimismo.