José Sarney

Olimpíada “a la Brasil”


A definição de Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional, de que íamos ter uma Olimpíada “a la Brasil”, mereceu dele mesmo duas interpretações: a primeira, sutil e subliminar, de que a desorganização seria a marca; a segunda, já acossado pelas críticas da nossa inquieta imprensa, que seria com “paixão e alegria”, acalmou as coisas e todos ficaram satisfeitos. As duas definições, contudo, estão certas: uma certa desorganização é o jeitinho brasileiro de fazer as coisas, finalizando-as na última hora, e a segunda, bem verdadeira, porque é da alma nacional pôr sentimento no que faz e sobretudo alegria, alegria.

O Embaixador Lincoln Gordon, que ficou célebre pela maneira muito discutida como exercera sua missão na saída de João Goulart em 1964, disse-me uma noite em Nova Iorque, num cocktail nas Nações Unidas, que compreendeu o nosso País graças às Escolas de Samba. E contou-me a seguinte história: que, quando era embaixador no Rio, chegou o Carnaval e ele teve uma curiosidade danada de visitar um desses barracões onde se fazem as alegorias. E dirigiu-se à sede da Salgueiro, uma semana antes do carnaval. Qual não foi sua surpresa ao chegar lá e encontrar uma centena de carnavalescos numa bagunça imensa, entre bonecos sendo pintados, madeira por todo lado compondo os carros e dezenas de costureiras cozendo as fantasias. Ele me disse que olhou aquela balbúrdia e desorganização e perguntou ao seu guia: “O Carnaval é daqui a uma semana e vocês pensam que estarão prontos para desfilar?” Ele respondeu-lhe: “No domingo, quando o apito de juntar a nossa macacada soar, os tamborins da bateria entrarão no ritmo e vamos entrar na Avenida para ganhar o título.” O Embaixador então me disse que duvidou que aquilo ficasse pronto e que daquela confusão e mixórdia pudesse surgir um milagre.

Então, quando chegou o domingo e iniciou-se o desfile, aconteceu o que lhe tinham dito: o samba-enredo começou, o apito de arregimentação tocou, a bateria entrou em ordem na pista e os carros, que eram aquelas engrenagens, surgiram agora como carros alegóricos belíssimos, as mulatas dançando trepadas no alto das carruagens e tudo funcionando como um relógio.

Concluiu o Lincoln Gordon: “Então compreendi o Brasil. A improvisação e a garra, a paixão e alegria constroem as coisas.”

O sr. Thomas Bach, sem querer, disse o que era o modelo “a la Brasil”: somos desorganizados e incapazes de planejar. Mas tudo acontece dentro dos nossos objetivos e, graças a isso, somos o País da alegria, da solidariedade, da fraternidade — e os estrangeiros quando olham os nossos milagres e as nossas festas ficam de queixo caído.

A la Brasil foi a Copa, a la Brasil estão sendo as Olimpíadas, com um sucesso danado e o povo vivendo o jeito nosso de ser feliz nas festas coletivas.

Então, quando aparecem aquelas mulatas de corpo lindo e, como dizia Roberto Campos, mostrando tudo e escondendo o essencial, é um delírio!