José Sarney

Saci e carcará


A Aeronáutica está na ordem do dia. Das Forças Armadas, é a mais nova, a mais carente de tradição e mais desejosa de afirmação na conjugação dos mecanismos da guerra moderna. Na única vez que estive com Osvaldo Aranha, velho e legendário homem público brasileiro, cabeleira branca, gestos largos, ele falou-me sobre o suicídio de Getúlio Vargas e ligou a República do Galeão à modernidade da FAB e sua busca de afirmação.

As Forças Armadas pagam um preço alto pelos rescaldos da Revolução de 64, que já é passado histórico, e os que a fizeram morreram ou saíram da visibilidade nacional. Remanesceu um certo e difuso ressentimento institucional, com prejuízo à segurança nacional e com o descuido de nossa defesa. Os recursos destinados ao setor estão na escala da pobreza absoluta. Forças Armadas democráticas não prescindem da necessidade de serem fortes, sem militarismo, que é a agregação do poder político ao poder militar. O poder civil é a síntese de todos os poderes e tem que estar apoiado num dispositivo de segurança de forte respeito estratégico militar, em níveis interno e externo.

Vamos à Aeronáutica. Ela foi pioneira na tentativa de dominar tecnologia aeroespacial. Desde 1950, existe o ITA, Instituto Tecnológico da Aeronáutica, referência na formação de recursos humanos. Depois veio o Centro Técnico Aeroespacial, com os seus Institutos de Aeronáutica e Espaço e de Estudos Avançados, Fomento e Coordenação Industrial. Desse conjunto saiu o projeto da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), para lançar com tecnologia nacional foguetes e satélites. Foi uma luta árdua. Desenvolveram-se os foguetes Sonda 1, 2, 3 e 4. Lutou-se contra restrições internacionais, embargos, proibições. O Inpe, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, com os mesmos embaraços, ficou com a responsabilidade dos satélites, e o CTA, os vetores.

O projeto agoniza. Falta dinheiro, falta uma política de pessoal. Não seguramos os nossos cientistas e não temos condições de recrutar outros. O engenheiro Jaime Poscov, nosso Von Braun, dedicou toda a vida a esse projeto e foi aposentado com vencimentos de R$ 920…

Perdemos o Saci 1 e o 2. Mas lembremos que os americanos tiveram centenas de fracassos e não desertaram. Recentemente, ocorreram as perdas das sondas a Marte, programa de milhões de dólares. O foguete francês Ariadne 2, de US$ 8 bilhões, também não obteve êxito.

O Brasil tem a base de Alcântara que, pela localização, consome a metade de propelente e carrega o dobro de carga útil que vai ao espaço. Não podemos jogar fora esse trunfo. Vamos prestigiar a FAB e o Programa Espacial Brasileiro, e não maldizer pequenos insucessos, desprezando o idealismo e a garra da Força Aérea Brasileira, que tem prestado grandes serviços ao país. A MECB não pode desaparecer e deve ter ajuda para continuar.

Não gosto, no programa espacial, do nome do satélite: Saci, personagem lendário e simpático, mas não destinado a voar. Temos de trocar para outro, talvez Gavião; melhor, Carcará, bicho danado que, no dizer de João do Vale, “avoa que nem avião”.