Nilson Montoril

Carnaval, coisa de doido e cabra assanhado


 

As origens do carnaval são bem antigas e a ruidosa festividade provavelmente ganhou notoriedade em Roma, nas saturnais de cunho religioso. O carnaval rigidamente falando, começa na epifania, no dia dos Santos Reis e se estende até a 4ª feira de cinzas, véspera da quaresma. É comemorado no mundo todo, variando as características, mas sempre festa profana de caráter popular. As festas de carnaval têm inicio no domingo da quinquagésisima, estendendo-se na 2ª e 3ª feiras seguintes, período em que se promovem festas e bailes de fantasia. Em Portugal, o carnaval é o período sem restrição para comer carne, em contraposição à quaresma, tempo de jejum obrigatório. São famosos os carnavais de Nice e Paris, na França; Veneza, Roma e Florença, na Itália; Munique, na Alemanha; Montevidéu, no Uruguai; Buenos Aires, na Argentina. Entretanto, é no Brasil que o carnaval adquire grande expressão, principalmente no Rio de Janeiro, Salvador e Recife. O primeiro baile carnavalesco realizado no Rio de Janeiro, aconteceu nos salões do Hotel da Itália e data de 22 de janeiro de 1840. Os proprietários do famoso hotel, influenciados pelas notícias do sucesso dos grandes bailes de máscara da Europa, procuraram imitá-los. O êxito foi tão grande, que o baile foi repetido no dia 20 de fevereiro. Realizado em local fechado e livre da violência do entrudo desenvolvido nas ruas, o baile ganhou fama e passou a ser levado a efeito anualmente. O entrudo português prevaleceu no Brasil colonial e monárquico, sendo a forma mais generalizada de brincar o carnaval. Era um folguedo violento e consistia em atirar contra as pessoas água, através de bisnagas ou limões de cera. Os maledicentes se encarregaram de incluir provisões de pós ou cal, este provocando queimaduras. Os mais bandalhos misturavam incrementos com água, levando o produto em baldes ou cacimbas para as vias públicas a fim de sujarem os transeuntes. Sujos e em blocos, os baderneiros não tinham respeito por ninguém. Os componentes da brincadeira eram rotulados como “bloco de sujos” ou “arruaceiros” A prática só mudou depois que a polícia foi obrigada a intervir para civilizar o jogo selvagem. Os brincantes passaram a usar água perfumada, vinagre, groselha e vinho, sempre com o propósito de molhar e sujar que passava desprevenido perto da baderna. O uso de bisnagas e limões de cheiro cessou quando ocorreu a introdução da serpentina, em 1892 e do Lança-perfume, em 1911.

 

Em 1846, o Teatro São Januário passou a concorrer com o Hotel da Itália, embora seus freqüentadores não tivessem os mesmos requintes do promotor pioneiro. Em 1846, o sapateiro português José Nogueira de Azevedo Paredes, que residia no Rio de Janeiro, saiu pelas ruas do bairro onde morava batendo um bumbo na horizontal. Nas bandas de música da época o bumbo sempre era tocado na vertical, com os couros voltados para os lados. A novidade não passou despercebida, dando origem ao surdo de hoje. Por onde o José Pereira passava os foliões o seguiam formando blocos compostos apenas por homens. A ação desenvolvida pelo Zé Pereira era um velho costume praticado em Portugal. No carnaval do ano de 1847, surgiram outros animadores da folia. Ao contrário do que muitos pensam, a famosa quadra carnavalesca que enaltece o Zé Pereira não foi cantada por ele e sim pelo comediante Francisco Correia Vasquez integrante de uma companhia teatral que levou à cena, em 1896, a paródia de “Lês Pompiers de Nanterre” (Os Bombeiros de Nanterre), na qual apregoava os méritos de grande animador do José Nogueira. Embora o sobrenome do animado lusitano fosse Paredes, o povo entendia que ele pronunciava Pereira, daí ter passado à história como Zé Pereira. A quadra original cantada por Francisco Correia era:

 

“E viva o zé-pereira
Pois que a ninguém faz mal
Viva a bebedeira
Nos dias de carnaval”

 

Em 1886, os jornais classificavam como cordões os grupos de foliões mascarados e provocadores. Seus integrantes saiam fantasiados satirizando personalidades e autoridades. Estes cordões lembravam os antigos cortejos de negros que participavam das procissões de Nossa Senhora do Rosário. Os instrumentos usados eram os chocalhos, tambores, reco-reco e cuíca. Um sujeito tocando apito comandava a folia. Em 1870, os bailes carnavalescos realizados em casas de espetáculos se generalizaram. No ano seguinte, até mesmo o Imperial Teatro Pedro II aderiu à moda, seguido depois pelo Teatro Santana, cujos bailes tornaram-se popularíssimos. Em 1879, um rinque de patinação denominado Shating Rink promoveu um baile que se estendeu até o romper do dia. No final do século XVIII existiam vários clubes dançantes promovendo festas carnavalescas. Até mesmo a Societé Française de Gymnastique, cujo público era rigorosamente selecionado. Nos bailes de antigamente, quando ainda não existiam as músicas carnavalescas, o ritmo que prevalecia era a polca, seguida da quadrilha, da valsa, do tango, do charleston e do maxixe. A primeira música realmente carnavalesca é a polca “Ô Abre Alas”, composta por Chiquinha Gonzaga, em 1899, para o Cordão Rosa de Ouro, que ensaiava próximo à casa da compositora. Ainda hoje, nos locais aonde são realizadas festas de salão, ela é bastante executada.