Nilson Montoril

Chacina nos porões do brigue Palhaço


No dia 16.10.1823, uma portentosa agitação, agregando mais de mil brasileiros, sacudiu a capital do Pará. A manifestação foi engendrada por elementos que não eram favoráveis a adesão da Província do Pará à independência do Brasil e apregoavam a formação de um governo popular. Vale lembrar, que em janeiro de 1823, quando a adesão do Para ainda não havia ocorrido, o Cônego Batista Campos, apoiado principalmente por comerciantes brasileiros, chefiava um grupo de revoltosos denominado Os Patriotas.

Os integrantes do grupo se diziam liberais radicais e contavam com o apoio do povo das vilas de Cametá, Vigia Macapá, Mazagão, Monte Alegre e Santarém. Formaram uma junta governativa, sob o comando do Cônego Batista Campos, que foi destituída pelo Imperador Pedro I. No dia 11 de agosto, o oficial inglês John Pascoe Greenfel, oficial da Real Marinha Britânica a serviço do Império do Brasil, chega a Belém e declara os portos da cidade bloqueados. Notifica aos integrantes da Junta Governativa Provisória, que agirá com extremo rigor para impor a paz na região. Garante aos portugueses que aceitarem o desligamento do Brasil de Portugal como ponto pacifico a preservação de seus bens. Assegura que tinha vindo para oficializar a definitiva condição do Brasil como nação livre e manter a ordem na província. Pressionou a Junta Governativa para que a adesão paraense acontecesse com a máxima brevidade possível. Isso ocorreu no dia 15 de agosto. Voltando a apreciar o acontecido no dia 16 de outubro, dizemos que John Greenfel determinou a prisão de supostos agitadores, inclusive integrantes das tropas do 1º, 2º e 3º Regimentos de Infantaria e do esquadrão de Cavalaria, que se haviam amotinado. Cumprida sua ordem, os agitadores foram dominados por força das armas. No dia 17 de outubro em frente ao Palácio do Governo, ordenou a execução sumária de cinco elementos que ele mesmo escolhera aleatoriamente dentre os detidos. Através da brutalidade, Greenfel pretendeu amedrontar os sublevados. Tão grande era sua fúria, que mandou amarrar à boca de um canhão o Cônego Batista Campos, só não consumando seu intento de matá-lo porque membros da Junta Provisória interferiram, ponderando que o prisioneiro fosse remetido para o Rio de Janeiro. Entretanto, no dia 19 de outubro o religioso foi colocado em liberdade.

No dia 20 de outubro, 256 presos que estavam na cadeia publica fazendo tremenda algazarra, foram transferidos para bordo de um brigue denominado Diligente, que ancorou no meio da baia de Guajará. O porão tinha aproximadamente 30 palmos de cumprimento, por 20 de largura e doze de alto. As escotilhas foram fechadas e apenas uma fresta ficou aberta para entrada de ar. O fortíssimo calor levou os presos ao desespero. Reivindicando a abertura das escotilhas, pois a falta de ar os fustigava, os presos irromperam em gritos, clamando por água e formulando ameaças á guarnição do navio e demais autoridades do Pará.

A guarnição atirou sobre eles água de má qualidade. Mesmo assim, a disputa entre os amotinados foi feroz. Os presos brigaram, apunhalaram-se, usaram unhas e dentes para ver que primeiro se serviria do precioso liquido. Temendo que a turba conseguisse sair do porão do navio, os guardas dispararam suas armas para dentro do brigue e depois lançaram sobre aquelas pobres criaturas cal virgem. Por duas horas os presos debateram-se em agonia. Em três horas reinava silêncio absoluto.

Na manhã do dia 22.10.1823, quando as escotilhas foram abertas, viu-se no fundo do porão um montão de 252 corpos, cobertos de sangue e dilacerados. Aos poucos os cadáveres foram sendo retirados e transportados para a margem esquerda da baia de Guajará até o local do sitio Penacova. Uma longa vala comum foi escavada para receber os corpos. Ao ser concluída a remoção dos mortos, a guarnição do brigue Diligente constatou, que ainda agonizavam quatro elementos. Levados para o tombadilho deram sinal de melhora, o que motivou a transferência dos mesmos para o hospital. Três deles morreram no transcurso de 4 horas. Apenas um rapaz de 20 anos escapou da morte, mas levou uma vida de constantes sofrimentos.