Pe. Claudio Pighin

Com deus, nada temo!


Toda vez que leio o jornal, fico triste em ver quantas mortes violentas acontecem todos os dias. É verdade, todos os dias! Descobri também que as reportagens não relatam quantos, de fato, morrem todos os dias. Descobri, jornalisticamente, que aquilo que é noticiado é somente, se posso dizer de maneira bem aproximativa, quase uma amostra de tantas mortes entre nós. Por exemplo, pelos meus conhecimentos através dos contatos com o povo da grande periferia de Belém, descubro quantos jovens foram executados publicamente e os jornais nem chegam a mencionar.

O interessante em tudo isso é ver o povo, diante de cenas macabras, impotente e com medo. Cala-se perante essa crueldade. Por que isso? Porque, talvez, ele desconfia de tudo, não se sente protegido, e a única maneira de sobreviver é ficar calado. Uma resposta a tudo isso pode ser encontrada no salmo 55 das Sagradas Escrituras, em que mostra que esse povo tem alguém de verdade que pode defendê-lo. E quem é? Leia atentamente:

“Tende piedade de mim, ó Deus, porque aos pés me pisam os homens; sem cessar eles me oprimem combatendo. Meus inimigos continuamente me espezinham, são numerosos os que me fazem guerra. Ó Altíssimo, quando o terror me assalta, é em vós que eu ponho a minha confiança. É em Deus, cuja promessa eu proclamo, sim, é em Deus que eu ponho minha esperança; nada temo: que mal me pode fazer um ser de carne? O dia inteiro eles me difamam, seus pensamentos todos são para o meu mal; Reúnem-se, armam ciladas, observam meus passos, e odeiam a minha vida. Tratai-os segundo a sua iniquidade. Ó meu Deus, em vossa cólera, prostrai esses povos. Vós conheceis os caminhos do meu exílio, vós recolhestes minhas lágrimas em vosso odre; não está tudo escrito em vosso livro? Sempre que vos invocar, meus inimigos recuarão: bem sei que Deus está por mim. É em Deus, cuja promessa eu proclamo, é em Deus que eu ponho minha esperança; nada temo: que mal me pode fazer um ser de carne? Os votos que fiz, ó Deus, devo cumpri-los; oferecer-vos-ei um sacrifício de louvor, porque da morte livrastes a minha vida, e da queda preservastes os meus pés, para que eu ande na presença de Deus, na luz dos vivos.”

O salmo inicia, dramaticamente, com a descrição de uma ação militar de perseguição. Os protagonistas dessa agressão são inimigos sem nomes que atacam sem piedade o autor da oração. E faz uma comparação com os caçadores que estudam todas as possibilidades de como acertar e pegar a sua caça: “Armam ciladas, observam meus passos”. Perante uma situação horrível como essa, cheia de medo, erguem-se preces a Deus para que liberte dessa desumana perseguição. Não tem alternativa em confiar no socorro de Deus, porque não tem mais ninguém para apelar.

Esses perseguidores são apresentados como ‘povos’ talvez para exaltar a potência e a multidão. Ou talvez pela tentativa de transferir sobre um plano nacional e comunitário um acontecimento pessoal e individual. O autor desse salmo passa depois da dramaticidade das ameaças e perseguição à tranquilidade de entrega a Deus, seu verdadeiro refúgio. Por isso reza: “Vós recolhestes minhas lágrimas em vosso odre; não está tudo escrito em vosso livro?” Justamente, porque no grande livro da história junta todas as palavras, as ações, as alegrias de toda a humanidade e, sobretudo, escreve as lagrimas que os perseguidores fazem aos pobres.

Deus junta com carinho todas as lágrimas das vítimas e assim não caem no vazio. Assim sendo, demonstra que as lágrimas são aos ‘olhos’ de Deus realidades preciosas como a água, o vinho, o leite, substâncias vitais que o peregrino no deserto guarda no seu odre. Deus grava e conserva como tesouros todos os sofrimentos da humanidade. É a história do ser humano pobre e sofrido resgatado pelo seu Deus. Assim sendo, revela-se o primado da soberania de Deus na história do mundo: é Ele o autor e defensor da vida. Ninguém pode ameaçar a vida, não obstante a aparente força dos poderosos deste mundo que dominam o cotidiano. A Palavra do Senhor liberta e no caminho da luz conduz os seus servos.

O papa Francisco, na audiência geral de 11 de janeiro de 2017, falou o seguinte: “Fé significa confiar em Deus — quem tem fé, confia em Deus — mas chega o momento em que, confrontando-se com as dificuldades da vida, o homem experimenta a fragilidade daquela confiança e sente a necessidade de certezas diversas, de seguranças tangíveis, concretas. Confio em Deus, mas a situação é um pouco crítica e eu preciso de uma certeza um pouco mais concreta. E está ali o perigo! Então somos tentados a procurar consolações até efêmeras, que parecem preencher o vazio da solidão e aliviar a fadiga do crer.”