Pe. Claudio Pighin

Ó Deus, com ardor vos procuro!


A realidade do nosso tempo parece, segundo a maioria do povo, tão deprimente e triste que não se enxerga uma luz no fim do túnel. A corrupção atingiu todo mundo: as instituições e poderes que garantem a democracia do país. Parece que com toda essa enxurrada de denúncias e processos poucos se salvam. É comum ouvir frases do tipos: ‘Em quem acreditar?’ ou ‘Desse jeito o que vai ser do nosso país?’, ‘temos ainda futuro?’. Perante os grandes problemas, catástrofes sociais e humanas, o ser humano tem muita dificuldade para se encontrar e ter serenidade para enfrentar a vida. Aliás, sente-se perdido. E as reações das pessoas são as mais diferentes possíveis. Porém, tem uma reação que gostaria de destacar nesse âmbito: a de quem acredita em Deus. O fiel se diferencia nesse sentido por estar acima de qualquer desafio. Por quê? Porque, buscando incessantemente Deus, não se sente abandonado. Deus é um seu aliado. O salmo 62 das Sagradas Escrituras nos ajuda a compreender tudo isso. Leia atentamente:

“Ó Deus, vós sois o meu Deus, com ardor vos procuro. Minha alma está sedenta de vós, e minha carne por vós anela como a terra árida e sequiosa, sem água. Quero vos contemplar no santuário, para ver vosso poder e vossa glória. Porque vossa graça me é mais preciosa do que a vida, meus lábios entoarão vossos louvores. Assim vos bendirei em toda a minha vida, com minhas mãos erguidas vosso nome adorarei. Minha alma saciada como de fino manjar, com exultante alegria meus lábios vos louvarão. Quando, no leito, me vem vossa lembrança, passo a noite toda pensando em vós. Porque vós sois o meu apoio, exulto de alegria, à sombra de vossas asas. Minha alma está unida a vós, sustenta-me a vossa destra. Quanto aos que me procuram perder, cairão nas profundezas dos abismos, serão passados a fio de espada, e se tornarão pasto dos chacais. O rei, porém, se alegrará em Deus. Será glorificado todo o que jurar pelo seu nome, enquanto aos mendazes lhes será tapada a boca.”

Esse salmo é um amor místico do fiel ao seu Deus. Revela um abandono total ao Senhor tão intenso, envolvendo a vida toda dele. É um fiel que se projeta sem desconfiança para o seu Deus. Ele reza tão intensamente, tão natural, como se fosse apagar a sua sede na fonte refrescante dos dias quentes de verão. Assim sendo, rezar se torna uma necessidade determinante do ser humano para satisfazer a sua própria natureza, a sua vida. O fiel no Santuario do Senhor dirige várias invocações simbolizadas em imagens cotidianas que são: a fome, a sede e o juízo divino. A respeito da sede, o que quis dizer o autor desse salmo?

A sede, em primeiro lugar, é uma necessidade fisiológica natural que faz parte da composição do corpo humano. Sem agua não poderíamos viver. Aliás, a mesma superfície terrestre, sem água, se torna árida e incapaz de produzir frutos. E a partir destas constatações os crentes precisam de Deus para se manter vivos, dar um sentido a própria vida para que seja vigorosa e robusta: “Minha alma está sedenta de vós”. E agora a questão da fome. Quem encontra Deus fica saciado: “Minha alma saciada como de fino manjar.”

O autor aqui faz alusão ao banquete sagrado, característico do ‘sacrifício de comunhão’. Todos esses versículos se concentram em uma reflexão noturna, cheios de maravilha por estar tão próximo de Deus. Justamente as ‘asas’ de Deus são o sinal da ‘arca’, isto é, a sede da presença santa da divindade. E enfim a questão do juízo, expressado nos últimos versículos do salmo, quer manifestar o poder de Deus. Essas palavras são duras e sem piedade para os inimigos, que ‘cairão nas profundezas dos abismos’, e ‘serão passados a fio de espada, e se tornarão pasto dos chacais’.

Para o fiel desse salmo é essa a justiça divina. Um salmo de grande contemplação de Deus, que pretende além de mostrar amor infinito para Deus quer também a grande luta contra o mal. Um desejo inato do ser humano. E o papa Francisco na missa celebrada em Santa Marta, no dia 22/11/2016, fez a seguinte meditação: “Quando era criança”, quando ia ao catecismo, eram ensinadas quatro coisas: morte, juízo, inferno ou glória. Alguém poderia dizer: «Padre, isto assusta-nos». Mas, respondeu: «É a verdade. Pois se não cuidares do coração, para que o Senhor esteja contigo, e viveres sempre longe do Senhor, talvez haja o perigo de continuar assim, afastado do Senhor por toda a eternidade. Isto é muito triste!”. E “Hoje nos fará bem pensar nisto: como será o meu fim? Como será, quando eu estiver diante do Senhor?”. Por isso, o papa continua: “Sê fiel até à morte — oráculo do Senhor — e dar-te-ei a coroa da vida”. “Eis a solução para os nossos receios: A fidelidade ao Senhor: Ele não desilude. E se cada um de nós for fiel ao Senhor, quando chegar a morte diremos como Francisco: ‘Vem, irmã morte’. Ela não nos assusta”.