Wellington Silva

Lições do carnaval


Muito feliz na escolha e desenvolvimento de seu enredo, a Viradouro dessa vez conquistou o título do carnaval carioca após realizar uma apresentação perfeita na apoteose do samba. Pediu passagem à memória ancestral de nossas mulheres negras, que viviam às margens do Abaeté, e fez justa homenagem as que já estão inseridas na História e Cultura do Brasil tais como Dercy Gonçalves, Tereza de Benguela, Anita Garibaldi e Bibi Ferreira. Com um enredo intitulado Viradouro de Alma Lavada, criação dos carnavalescos Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira, ela conquistou não só o público presente na Marquês de Sapucaí como também os jurados. A Escola de Niterói apresentou sabiamente seis artes: Devoção à Orixá da doçura, deusa das águas doces. Segunda, a cor da comida, onde a pimenta é a base típica na feitura da comida dessas mulheres quituteiras. Depois, os seus amuletos, artefatos e peças que balançam ao vento ao quarar a roupa. A quarta arte é o atabaque! Ele que dá o ritmo às danças e festejos religiosos. A quinta são as flores que perfumam, purificam e sacramentam seus filhos. A sexta imagem é a visualização da irmandade emoldurada. A escola foi simplesmente show de bola no início, meio e fim. Mas, por falar em início, meio e fim, diga-se, bem construídos ou desenvolvidos, a Beija-Flor, apesar de belíssima na Marques de Sapucaí, se perdeu no desenvolvimento e se perdeu no “carteado” temático, por assim dizer. Quis dizer muita coisa, ao mesmo tempo, e se perdeu no meio do caminho…

Mas o desfile das Escolas de Samba, tanto do Rio de Janeiro como de São Paulo, deixaram profundas reflexões, principalmente quando falamos da Águia de Ouro, de São Paulo, com desenvolvimento NOTA 10 em seu enredo intitulado “ O Poder do Saber”, sacada genial do carnavalesco Sidnei França. Mostrou com muita propriedade o lado bom e ruim do conhecimento e o quanto ele pode ser ao mesmo tempo útil e evolutivo para a humanidade ou como belicamente pode se tornar uma grande desgraça para o mundo. Com início, meio e fim muito bem enfocados, inicialmente a escola fez uma viagem ao começo do começo da história da humanidade, a pré-história, para depois passar as primeiras indagações do homem, a descoberta da roda, do fogo, a Idade Antiga e a era do aço, o período medieval, as viagens marítimas, as caravelas, o poder da escrita, grandes pensadores e escritores, as grandes invenções, Santos Dumont (Pai da Aviação) até chegar na grande questão do poder destrutivo que a tecnologia pode causar quando ela é usada para fins destrutivos tais como as funestas bombas de Hiroshima e Nagasaki, por exemplo. Agora, o grande ponto comovente do desfile foi o perfeito enfileiramento de crianças em um carro alegórico, muito bem elaborado, do ponto de vista criativo, todo cercado por lápis de cor, e a ala dos formandos, criações de cenários de profunda significação, sem apelação ideológica, mostrando que a capacidade do conhecimento pode evidentemente mudar e transformar uma comunidade, uma cidade, estado, país, o mundo inteiro…

O belíssimo samba enredo da campeã do carnaval paulista é assinado por Marcelo Casa Nossa, Armênio Poesia, Darlan Alves, Fredy Viana, Xandinho Nocera e Chanel. Uma verdadeira louvação ao conhecimento e aos mestres, com todo o carinho:

“Águia em suas asas vou voar e no caminho da sabedoria páginas da história desvendar! Sou eu? No elo perdido um desbravador! O tempo é meu senhor, em busca da evolução. Criar e superar limites da imaginação, a mente dominar, jamais deixar de acreditar! Brincar de Deus? Recriar a vida, desafiar, surpreender! Na explosão a dor, uma lição ficou. Sou aprendiz do Criador! Em cada traço que rabisco, no papel vou desenhando meu destino. No horizonte vejo um novo alvorecer, ao mestre meu respeito e carinho. É a nova era, o futuro começou. É tempo de paz, resgatar o valor! Águia, razão do meu viver”!

Por tudo isso, a Águia de Ouro é digna de Nota Mil, já se equiparando ao nível de qualidade do carnaval carioca.