Entrevista

“Estão levando até os trilhos da Estrada de Ferro e ninguém faz nada”.

Ela é do tido “despachada”, daquelas que não costuma passar recido a quem pisa no seu calo. Mas ao mesmo tempo é uma apaixonada pela cidade que adotou e que a adotou. A ex-prefeira de Serra do Navio foi ao rádio ontem pedir ajuda para o lugar onde decidiu morar desde que foi convidada a instalar a primeira administração municipal, em 1992, quando o município foi criado. Reclama da falta de apoio para que o Iphan dê continuidade ao processo de restauração da antiga vila deixada pela mineradora Icomi e denuncia o estado de abandono da velha Estrada de Ferro do Amapá (EFA), que segundo ela está sendo dilapidada pela ação do tempo e também de larápios que retiram aos pedaços e a fogo de maçarico o metal dos trens. Ela falou ao jornalista Cleber Barbosa no Conexão Brasília de ontem.


Diário do Amapá – A senhora foi prefeita por dois mandatos em Serra do Navio, mas não nasceu lá não é?
Francimar Santos – Eu sempre falo que sou duas vezes amapaense, pois nasci no estado do Amapá e no município de Amapá, na velha Base Aérea. Depois vim para Macapá ainda pequena estudar e em 1992 fui para Serra do Navio na campanha do então candidato Zé Maria que foi eleito o primeiro prefeito de lá. Fui a primeira secretária de educação do município.

Diário – E depois entrou para a política partidária sendo eleita vereadora, adotando o nome parlamentar de Professora Francimar.
Francimar – Sim, sempre. Pela formação e também por ter atuado lá desde a instalação do município, então o primeiro prefeito tinha que fazer tudo, o primeiro posto médico, a primeira escola, o primeiro quadro de funcionários, enfim, eram muitas tarefas para serem executadas. Foi um período de muito trabalho, mas que nos enche de orgulho falar hoje pois pudemos ajudar o companheiro Zé Maria, eleito à época pelo PT, nessa implantação. Fui lá para ficar um ano, mas aí me apaixonei pela Serra [do Navio] e nunca mais vim embora… [risos]

Diário – Mora lá até hoje?
Francimar – Sim, moro a mais de vinte anos, no Ramal do Cachaço, na beira do rio Amapari.

Diário – Nessa época o projeto era implantar um centro administrativo na zona rural, na Colônia da Água Branca, mas depois isso acabou se mostrando mais difícil e a sede do município foi transferida para a Vila de Serra do Navio. O que houve?
Francimar – Sim foi tudo para lá, inclusive o nome do município era Água Branca do Amapari. Mas em junho de 1993 houve uma votação aqui na Assembleia Legislativa para mudar para Serra do Navio, que era um nome mais conhecido até mundialmente. Era uma proposta, se não me engano, do então deputado Manoel Brasil, que foi aprovado. Mas a mudança era apenas do nome mas acabou mudando também a sede do município, o que até hoje traz consequências, pois foi levada para a Vila de Serra do Navio que era privada, não pertencia ao município, mas sim integrava a concessão federal feita à Icomi. Hoje admitimos que foi um erro essa mudança, pois se a sede tivesse ficado na colônia aquela comunidade hoje seria outra, muito mais desenvolvida. Além disso, a manutenção da vila de Serra do Navio, que a mineradora fazia, o município não teve mais condições de manter.

Diário – Muita gente não quer nem ouvir falar em proposta para se candidatar a prefeito de um município do interior. O que a senhora acha de quem pensa assim?
Francimar – Eu acho que na verdade não é medo de ser prefeito no interior, é falta de coragem de enfrentar os desafios. Mas quando você tem compromisso com o município, com aquela terra, você podendo contribuir tem que fazer, acho que é um dever de todo cidadão contribuir naquilo que pode com seu município. Se eu sou boa professora vou dar aula, se sou bom enfermeiro vou lá no posto e se sou um bom pedreiro vou lá ajudar a construir. Acho que tem que se colocar à disposição e arregaçar as mangas, mas que não está fácil não está, viu? Eu sempre brincava quando era prefeito nas reuniões dos outros gestores municipais que deveria ser muito bom ser prefeito na capital, porque é grande a cidade e a maioria dos cidadãos não sabe nem aonde o prefeito mora… [mais risos]

Diário – E no interior, todos sabem não é?
Francimar – Todos. Se morrer alguém de madrugada, a primeira porta que batem é a da casa do prefeito. Todo mundo sabe teu telefone, ligam pra você a qualquer hora e não tem essa história de secretária atender, dar recado. É o prefeito mesmo que atende.

Diário – Marcar hora na agenda…
Francimar – Nada, falam direto com o prefeito. Batem na porta, entram e ficam esperando pra falar com você. E isso pode ser na rua, no mercado, várias vezes eu estava fazendo compras e a pessoa chegava comigo dizendo que precisava falar com a gente e ali mesmo eu já despachava alguma providência, resolve na hora. É assim no interior… Eu acho isso bacana, sabia? As pessoas te tratam pelo nome, não tem aquela formalidade, excelência, prefeita, por aí…

Diário – E aquela história de que Serra do Navio é lugar de gente feliz? De onde surgiu esse slogan que a cidade adotou?
Francimar – É, tem uma placa na entrada da cidade com essa frase. Isso vem ainda dos tempos da Icomi, quando o nosso saudoso doutor Fernando Guimarães dizia essa frase sempre, até que mandou fazer uma faixa ou coisa parecida com essa afirmação. Quando eu assumi a prefeitura tinha um vereador chamado Geleia que sugeriu a instalação de um outdoor na entrada da cidade, então atendi o pedido do vereador e até hoje ninguém tirou mais a frase de lá, que é agora o slogan da cidade.

Diário – Mas é um lugar diferente mesmo, com aquele clima de montanha…
Francimar – Pois é, na verdade eu sempre defendi que Serra do Navio deveria ter um olhar diferente por parte do estado, pois somos a única cidade do Norte tombada como patrimônio histórico, urbanístico, étnico, ambiental do Amapá. Muita gente vê o tombamento pelo Iphan como algo ruim, mas não era pra ser assim, uma falta de entendimento com algumas pessoas dizendo que foi no meu governo, mas não foi, peguei o bonde andando, apenas dei continuidade pois observo que é um meio até de conseguir recursos para a cidade, para movimentar a economia do município.

Diário – Como está esse processo hoje, pois há algum tempo o Iphan se instalou lá para iniciar a restauração do antigo cinema?
Francimar – Começou e não terminou. As pessoas acabaram forçando a reabertura daquilo como ginásio e estão voltando a usar. Eu acho que na verdade o Iphan sentiu o desinteresse do estado, pois o tombamento da Serra é para o estado e não para o município.

Diário – Nessa questão do apelo turístico da Serra do Navio há quem aposte no valor que tem a Estrada de Ferro. Como está a ferrovia?
Francimar – Ah, isso a gente vê com muita tristeza ver o nosso trem ser dilapidado, estão levando até os trilhos da nossa estrada de ferro e ninguém está fazendo nada. Há mais de dois anos que aqueles vagões estão parados ali próximo a Porto Grande, pegando sol e chuva. Tive a informação que estão tirando pedaços do metal com maçarico, o que é um absurdo. Estão acabando com a nossa história e com um potencial grande que a gente tem que é a nossa Estrada de Ferro do Amapá. É preciso que se tome uma providência, fico até com o coração apertado falando essas coisas e saber que a gente pode daqui a algum tempo não ter mais o apito do trem sendo ouvido dentro daquelas matas, uma das atrações da região com as viagens de trem para a Serra do Navio.

Perfil…
Entrevistada. Francimar Pereira da Silva Santos, tem 58 anos de idade, é casada e mãe de uma filha e avó de um neto. Nasceu no município de Amapá, ma Base Aérea, e mudou-se depois para Macapá onde formou-se no curso do Magistério pelo antigo Instituto de Educação do Território do Amapá (IETA); lecionou em municípios do interior, como servidora pública federal; depois licenciou-se em História pela Universidade Federal do Pará (UFPA); mudou-se em 1992 para Serra do Navio, onde foi secretária de educação (1994), vereadora (2000) e prefeita por dois mandatos (2004 e 2008). Retornou à sala de aula assim que deixou o mandato de prefeita e este ano (2015) assumiu a direção da Escola Estadual Sete de Setembro, na zona rural, onde está lotada.


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