“O Amapá tem tudo para voltar a ser um grande polo mineral”, diz especialista em Mineração
Especialista destaca potencial mineral do Amapá e aponta ferrovia como chave para retomada do setor. Analisa retomada do Sistema Amapá, competitividade do minério de ferro e desafios logísticos do estado

Cleber Barbosa
Da Redação
Diário – Marcelo, qual é a sua formação exatamente e como começou sua relação profissional com o estado do Amapá?
Marcelo Velazquez – Eu sou engenheiro de produção, formado pela Universidade Federal de Ouro Preto. Trabalho com mineração há cerca de 20 anos e estou no Amapá há 15. Vim para cá em setembro de 2010 para trabalhar na Anglo American, em Pedra Branca do Amapari, e acabei ficando. Já atuei em quatro projetos diferentes e hoje presto consultoria na área.
Diário – Você acompanhou o auge da produção mineral no estado. Qual foi o marco desse período?
Marcelo – Em 2012, quando eu era gerente da usina de beneficiamento, batemos o recorde histórico de produção mineral do Amapá: 6 milhões de toneladas de minério de ferro em um único ano. Foi o maior volume já produzido no estado e também um recorde dentro da própria Anglo American.
Diário – A retomada do Sistema Amapá pela DEV Mineração é tecnicamente viável?
Marcelo – Sim, é viável. O minério da região tem qualidade competitiva. Na época em que eu trabalhei lá, o teor médio de alimentação da planta era de cerca de 43% de ferro, e após os processos de concentração, chegávamos a um produto final com até 67% de ferro, um pellet feed de redução direta. Agora, com a retomada, o teor deve cair um pouco, para algo em torno de 40%, o que exige ajustes na planta, mas nada fora da realidade da mineração moderna.
Diário – Esse tipo de adaptação tecnológica?
Marcelo – Totalmente comum. A mineração evoluiu muito. Hoje, usamos uma combinação de processos físicos e físico-químicos, como britagem, moagem, separação magnética e flotação reversa. Isso permite elevar o teor do minério e torná-lo comercialmente competitivo, mesmo quando a qualidade natural da jazida diminui com o tempo.
Diário – O Amapá ainda tem muito potencial mineral?
Marcelo – Sem dúvida. O estado tem um potencial enorme. Inclusive, em 2025, o Serviço Geológico do Brasil atualizou o mapa geológico do Amapá, o que amplia a capacidade de identificar áreas promissoras. Mas é importante dizer: indício não é certeza. Só com campanhas de sondagem, perfuração e estudos econômicos é que se confirma uma mina viável.
Diário – O maior gargalo hoje é a logística?
Marcelo – É o principal gargalo. Com a ferrovia paralisada, toda a produção depende do modal rodoviário, que é muito mais caro. Para se ter uma ideia, transportar minério por caminhão até o Porto de Santana pode custar cerca de U$ 90 [dólares] por tonelada. Pela ferrovia, esse custo já foi de aproximadamente U$ 14 por tonelada. É uma diferença absurda.
Diário – E o transporte marítimo é o mais viável?
Marcelo – Sim. Hoje, os navios que operam no Amapá carregam até cerca de 48 mil toneladas. Se conseguirmos aumentar o calado e operar navios de até 75 mil toneladas, o custo do frete marítimo cai significativamente. Cada 20 centímetros a mais de calado representa cerca de 2 mil toneladas extras por embarcação.
Diário – A ferrovia pode atender outros setores além da mineração?
Marcelo – Com certeza. A ferrovia tem um papel social e econômico. No passado, ela transportava passageiros e ajudava a agricultura familiar a escoar produção para Macapá. Hoje, com o crescimento do agronegócio, especialmente da soja, a ferrovia pode voltar a ser estratégica para reduzir custos logísticos e impulsionar o desenvolvimento regional.
Diário – Atualmente, em quais projetos você atua como consultor?
Marcelo – Além de projetos minerais tradicionais, participo de uma iniciativa muito interessante na área de remineralizadores. O Amapá não tem mina de calcário, mas identificamos rochas com teores relevantes de cálcio e magnésio na região de Vila Nova, que podem ser usadas para corrigir a acidez do solo. Isso é fundamental para o avanço do agronegócio no estado.
Diário – O senhor está otimista então?
Marcelo – Com ferrovia operando, porto mais competitivo e segurança regulatória, o Amapá tem tudo para voltar a ser um grande polo mineral. Minério existe. O desafio é criar as condições para explorá-lo de forma sustentável e economicamente viável.
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