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Desembargadora Sueli Pini fala sobre mitos e tabus da adoção

Defensora do estímulo e divulgação do instituto da adoção, a desembargadora Sueli Pini avalia bem o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), sistema de informações hospedado nos servidores do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).


Paulo Silva
Editoria de Política

Mãe de 10 filhos, oito deles por meio de adoção, a desembargadora Sueli Pereira Pini é uma grande entusiasta e incentivadora da adoção, que considera um gesto de amor. Em entrevista concedida à equipe da Assessoria de Comunicação do Judiciário, a desembargadora, que também é Coordenadora Estadual de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá (Tjap), falou um pouco sobre a importância da data que comemorou o Dia Nacional da Adoção, 25 de maio, e sua participação no “tuitaço” do Tribunal celebrando a ocasião.

Defensora do estímulo e divulgação do instituto da adoção, a desembargadora Sueli Pini avalia bem o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), sistema de informações hospedado nos servidores do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Apesar de alvo de muitas críticas, o CNA também recebe muitas manifestações favoráveis. Uma coisa que podemos ter certeza é: melhor tê-lo que não tê-lo”, defendeu a magistrada.

“Deixo bem claro que o CNA não é absoluto, não precisa ser imposto – inclusive podem ser feitas adoções fora dele”, observou a desembargadora. “Ele, pelo menos, é um ponto de partida, onde se tem uma listagem de milhares de pessoas já habilitadas para adoção, além de uma relação de crianças que temos disponíveis para serem adotadas”, acrescentou. Embora precise de ajustes e aperfeiçoamentos, a desembargadora Sueli Pini acredita que é natural que um sistema com tão complexa e ampla missão precise se adaptar e melhorar.

Sobre o procedimento de adoção em si, a desembargadora explica que é importante tocar no outro lado desta moeda, pois raramente se fala da mãe que gerou a criança e das circunstâncias que a levaram a renunciar à criação do filho. “A mãe biológica desta criança disponibilizada para adoção quase sempre fica invisível para a sociedade e mesmo para o Poder Judiciário”, afirmou a magistrada Sueli Pini.

A desembargadora revelou, inclusive, que a Coordenação da Infância e Juventude do TJAP está desenvolvendo uma campanha para atender essa mãe, que está gerando a criança e pretende entregá-la à adoção. “A ideia é fornecer todo o apoio e informação, inclusive para tentar reduzir o sentimento de culpa, pelo fato de ninguém ter o direito de julgá-la – apesar de que ela quase certamente o será, tanto no seio da própria família quanto pela sociedade em geral”, lamentou Sueli Pini.

Longe de ser um gesto desalmado ou sem coração, como em geral é a leitura de quem não está envolvido, a desembargadora acredita que entregar o rebento para adoção seja um gesto também de amor. “Não há prova maior de amor do que a renúncia à criação de um filho por não ter condições, sejam psíquicas, emocionais ou afetivas de, naquele momento, cumprir este papel”, defende a magistrada. “Mas esta leitura, evidentemente, não inclui as crianças que foram para adoção por perda do poder de família, ou paternal, devido a exposição a situações de negligência ou violência”, explicou.

Para a desembargadora, renunciar ao filho logo após o parto pode significar abrir mão de testar a própria capacidade de criar e educar, “percorrendo uma estrada desastrosa, muito danosa para a própria criança”. “É bem melhor uma entrega o mais cedo possível do que, depois de três ou cinco anos, ceder ao sistema uma criança já aniquilada por traumas, abusos, maus tratos, negligência nos cuidados e até falência de sua saúde”, defendeu a magistrada.

A desembargadora pede que qualquer mãe em situação de precariedade procure a secretaria da Vara da Infância de sua comarca – quase todos os municípios do Amapá possuem um Fórum – e expliquem a situação. “É só explicar que está grávida e quer entregar o filho ou filha para adoção, registrando o interesse e oferecendo seus dados”, disse a desembargadora. “Ao se apresentar lá, declarando o interesse em ceder a criança logo após o parto, esta mãe garante que o bebê seja entregue a um casal que já passou pelo crivo do Poder Judiciário”, acrescentou a desembargadora.

“O que não pode acontecer é de a mãe simplesmente ‘dar’ a criança a qualquer pessoa, uma vizinha ou, no desespero, entregar na porta da maternidade”, relatou a desembargadora Pini. Mãe por excelência, a desembargadora lembrou que antigamente, nos conventos, havia uma prática de colocar crianças numa estrutura chamada roda dos expostos, ou roda dos enjeitados, que ficava nos muros, com abertura para a parte externa, e na qual se abandonavam crianças recém nascidas sem revelar a própria identidade. “Quando a mãe colocava a criança na tal roda, uma espécie de porta giratória no muro dos conventos, e a girava, um sino tocava e as freiras eram assim avisadas de que havia uma criança nova para acolher”, narrou.

Esta prática foi abolida por implicar em uma exposição indigna e degradante para as crianças, “mas quase sou a favor, pois é bem melhor que encontrar uma criança dentro de uma lixeira, de uma vala ou jogada em um rio, por exemplo”, defendeu a desembargadora Sueli. “Pois algumas mães, ainda em desespero após o parto, deixam a criança em qualquer lugar”, explicou.

“Sou mãe adotiva e tenho o maior respeito por todas as mães biológicas dos meus filhos, pois elas levaram a gestação até o final, não interromperam a gestação, deram a vida a estas crianças e possibilitaram que outras pessoas pudessem criá-las como filhos e dar a oportunidade de felicidade a todas as partes”, declarou a desembargadora.

Mesmo que a mãe biológica ainda queira manter algum contato com o filho ou filha, ela pode entregar a criança para adoção, pois há muitos casais que aceitam a adoção aberta. “Nessa modalidade, a mãe biológica sabe para qual casal a criança vai ser entregue, pode manter contato com a família e ter notícias do crescimento e desenvolvimento daquele filho”, explicou a desembargadora.

“No futuro, aquela criança será um adolescente ou adulto e pode querer saber mais sobre sua origem e ter ciência de que a mãe biológica nunca o desprezou, o que é muito bom para a saúde emocional do adotado”, observou Sueli Pini. “Nos Estados Unidos mais de 90% das adoções são em regime aberto. No Brasil, às vezes parece que se quer apagar a origem, não se quer contato nenhum com a mãe biológica, mas isso precisa ser repensado”, defendeu a desembargadora.

Embora o senso comum seja de que haja mais crianças disponíveis do que casais interessados em adotar, a desembargadora Sueli Pini revelou que esta situação não é constante. “O que acontece é que a adoção até pouco tempo ainda era um tabu cercado de preconceitos, com o uma alegada dificuldade maior em criar adotados, e questionamentos sobre o valor de criar uma criança com o mesmo sangue ou origem genética”, afirmou a desembargadora Sueli Pini. Mas, observou que a mídia tem ajudado ao divulgar celebridades que adotam crianças e inserir o instituto em narrativas televisivas, eliminando, estima, 70% dos tabus.

“É claro que uma criança adotada é igual a outra criança e nenhuma delas nasce com certificado de garantia ou manual para tornar um bom cidadão”, brincou a desembargadora. “O ser humano faz suas escolhas, sejam boas ou ruins, inclusive seus filhos biológicos. A verdade é que todo filho dá trabalho – qualquer ideia contrária é folclore”, concluiu a desembargadora Sueli Pini.

Para conhecer mais sobre as opiniões, experiências e conhecimentos legais da desembargadora Sueli Pini acerca do tema adoção, acompanhe a entrevista completa na próxima terça-feira, 30 de maio, a partir das 15 horas, no programa Justiça por Elas (Rádio Universitária FM – 96,9).


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