Nota 10

Carnaval 2020: conhecendo a história da Associação Universidade de Samba Boêmios do Laguinho

Com 28 títulos do Carnaval Amapaense, a escola se prepara para a festa de 2020 com o enredo “Belezas africanas: dádivas que a mãe África mandou”.


Railana Pantoja
Da Redação

No dia 2 de janeiro de 1954, ainda no Território Federal do Amapá, nascia a Associação Universidade de Samba Boêmios do Laguinho, a maior campeã do carnaval amapaense- ao todo, são 28 títulos conquistados. A escola nasce em um contexto histórico e econômico de migração de pessoas de várias regiões do Brasil para o Amapá, mas, principalmente de nordestinos e paraenses, em busca de trabalho.

“O Território tinha 11 anos de nascimento. Quando Janary Nunes, que foi o primeiro governador, começou a construir os prédios públicos, como a Escola Barão do Rio Branco e o Hospital Geral, ele começou a recrutar mão de obra de fora, porque até pedreiro praticamente não havia aqui, muito menos arquitetos e engenheiros. Muitos eram nordestinos e das ilhas do Pará”, explica o historiador e diretor da Comissão de Carnaval da Boêmios, Célio Alício.


Entre esses migrantes, alguns eram ligados ao São João do Nordeste e outros ao carnaval do Pará. “Entre eles tinha um cidadão chamado Benedito dos Passos, o mestre Bené. Ele era da Universidade de Samba Boêmios da Campina (PA), e é ele quem reúne um grupo de bambas. Primeiro criaram o bloco carnavalesco Bandoleiros da Orgia, em 1945, e a partir disso, o Bandoleiros foi a célula embrionária que deu origem ao Boêmios do Laguinho. Ele fez isso juntamente com Francisco Lino da Silva, mestre Biruca, seu Matapi, Falconery, Joaquim Ramos e tantos outros”, detalhou.

Falar de Francisco Lino e Boêmios do Laguinho é falar sobre uma história de amor e paixão que vive até hoje. Durante muitos anos ele foi compositor e intérprete da escola, e é ele quem assina o samba-enredo “Fortaleza, o atalaia do norte”, eleito o melhor de todos os tempos durante um festival de samba-enredo em 2017, evento em que cada escola pôde apresentar um samba considerado o melhor feito nos últimos anos.

“Bum- Bum- Bum
É o surdo que beleza
Bum- Bum- Bum
É o canhão da Fortaleza”, diz o refrão.

Em 2020 esse samba-enredo completou 45 anos e é cantado até hoje por toda a comunidade. “Ele permanece muito vivo na memória dos boemistas. De cada 10, nove preferem o Atalaia do norte. E é um samba que é cantado até mesmo por adversários que trabalham o carnaval na forma fair play (jogo limpo). O samba fala sobre a Fortaleza de São José, e é muito interessante a longevidade dele e a forma como ele permanece atual. Não raro, esse samba até hoje é cantado nas festas aqui, pelo próprio Lino”, revelou Célio.

Relação de amor e paixão também é a definição dos sentimentos da comunidade do bairro sobre a escola, mas, nem sempre é assim. “É tensa. Tensa porque é passional, e tudo que envolve amor e paixão é como um casamento: uma hora está em lua de mel e em outra hora está com briga, discussões. Mas a comunidade quando abraça, abraça mesmo. É uma espécie de amor e ódio, mas o próprio fato de envolver esses dois sentimentos prova o quanto essa relação é forte, e é isso que mantém a Boêmios viva. A hora em que a comunidade deixar de amar, a escola deixa de existir. Mas isso nunca vai acontecer”, externou.

Com 28 títulos, Boêmios tem uma disputa com a Escola Maracatu da Favela, detentora de 9 títulos. “Muita gente acha que é a Piratas da Batucada, mas não é, porque quando a Piratas conquistou o 1º título ele era a terceira força e eles ganharam tendo na equipe deles um sambista, um intérprete e um mestre-sala boemistas, mas isso faz parte do jogo. Até Piratão ganhar esse título, Boêmios rivalizava com Maracatu. Quando a gente não saía, a nossa torcida torcia pelo Piratão, para não torcer pela Maracatu. E quando a Maracatu não saía, eles torciam para o Piratão, pra não torcer pelo Boêmios”, disse.

A rivalidade também tem contexto histórico. Tanto o povo da Favela quanto os moradores do Laguinho saíram do centro da cidade na época de Janary Nunes, naquele processo de retirada das famílias do centro para construção dos staffs governamentais. Então, houve essa divisão. “Gertrudes Saturnino levou uma turma para os campos da Favela, o bairro alto; e o Julião ramos, juntamente com outros, trouxeram uma turma para o Laguinho. Mas vale ressaltar que nem todas as famílias saíram de lá, ainda hoje algumas permanecem. A rivalidade que se construiu nessa época é muito sintomática em relação à construção histórica da Macapá Territorial”, lembrou Célio.

Para o Carnaval 2020, Boêmios do Laguinho leva para a avenida o enredo “Belezas africanas: dádivas que a mãe África mandou”, feito em 2015 para o carnaval de 2016. Como não houve festa naquele ano, o enredo foi readequado para 2020. A escola será a quinta e última agremiação a desfilar no dia 21 de fevereiro.

“O nosso falar, o andar, o ato de rezar, o nosso comer… Tudo que seja influência Africana é herança, e sendo herança, é uma dádiva que a mãe África nos mandou. E nós vamos levar pra avenida, perpetuar essa herança”, finalizou.


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