Nota 10

Walter do Carmo: a bravura de um pioneiro

Desbravar. Essa foi a essência do espírito de Walter do Carmo. Irrequieto, foi além – abriu praticamente todas as estradas que hoje o Amapá possui. Na área urbana, construiu escolas e clubes, entre outras obras. E ainda foi um exemplo de probidade. Eis a marca de um pioneiro.



Nascido em Prainha, no município de Monte Alegre, no estado do Pará, Walter Pereira do Carmo conhecia o recém criado território federal do Amapá por vir com os pais visitar parentes em Mazagão Velho. Aos 17 anos, já funcionário público com formação técnica em agrimensura, começou, sem saber, a traçar seu caminho para o Amapá. Dizem que sua vinda definitiva se deu ao cumprir uma missão da antiga Comissão de Rodagem do Pará, que depois seria transformada no DEER (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). A missão era, justamente, entregar o projeto da BR 156. Aí foi o começo do saudoso Walter do Carmo. Depois de marcante trajetória, ele morreu no dia 14 de junho de 2014. 

Era o decisivo ano de 1951, e Walter, com 21 anos, foi convidado pelo então governador Janary Nunes para ficar no Amapá. Aceitou e começou a trabalhar como encarregado dos Serviços de Melhoramentos, Cortes e Aterros da Rodovia BR 15, atual BR 156. Construiu o ramal do Aporema com 14 quilômetros de extensão.

No dia 13 de outubro de 1951 iniciou a implantação pioneira do trecho Base Aérea de Amapá-Calçoene, numa extensão de 76 quilômetros.

Em 1952, durante o inverno, operou nas medições de volume das águas do rio Araguari, na Cachoeira do Paredão, onde seria construída a Hidrelétrica Coaracy Nunes. No dia 17 de setembro, concretizou a ligação do trecho Base Aérea de Amapá-Calçoene e imediatamente iniciou a construção do trecho Calçoene-Lourenço. Nesse mesmo ano efetuou os estudos para a ligação rodoviária Ferreira Gomes-Cachoeira do Paredão e iniciou o desmatamento para a construção do Porto de Santana.

De 1953 a 1955 concluiu o trecho Calcoene Lourenço, com 116 quilômetros. Construiu os ramais de Cachoeira Grande e Juncal e o campo de pouso de Calçoene. Na cidade de Amapá conheceu Helita Ferreira dos Santos, filha de um pecuarista, com quem casou seis meses depois, sendo o governador Janary Nunes um dos padrinhos. Dessa união nasceram sete filhos, Margareth, Walter Júnior, Waldenawer (Keky), Mariângela, Wank, Márcia e Walber.

Em 1956 executou para o governo do Amapá várias expedições de pesquisas minerais, destacado-se a prospecção de xisto betuminoso na região do rio Cajari, e bauxita e magnetita nas regiões do Jari, Tartarugal Grande, Tartarugalzinho e rio Cassiporé.

Em 1958 surgiu a oportunidade que mudaria o rumo de sua vida e dos amapaenses. Pauxy Nunes, irmão de Janary, assumiu o governo e priorizou a continuação da abertura da rodovia em direção ao Oiapoque, que passava em aldeias indígenas. O medo de enfrentar os índios, que tinham pouco contato com a civilização, dificultava a contratação de empresa. Sem dinheiro, mas muita vontade de começar o serviço, fundou a Construtora Comercial Carmo Ltda..

“Se aqui chegamos, muito mais longe iremos”
(Walter do Carmo, ao chegar em Oiapoque)
Em 1965 as máquinas pesadas, nunca antes vistas por aqui, chegaram via marítima, e o serviço começou. A estrada era aberta até Amapá, e a missão era chegar até à fronteira. Foram meses embrenhado nas matas com homens e equipamentos, abrindo o caminho que até então era percorrido por poucos. Entre Macapá e Amapá, já chefe de família, Walter do Carmo viveu todas as particularidades de um desbravador, quando o mundo oferecia poucos recursos para aventura, como a abraçada pelo então empreiteiro.
Nesse mesmo ano construiu o ramal Cupixi-rio Vila Nova, com 30 quilômetros de extensão e o campo de pouso da localidade de Gaivota, no rio Vila Nova. Construiu ainda a rodovia Macapá-Macacoari com 150 quilômetros de extensão.

“Nunca fui rico, apenas tinha crédito na praça”
(Walter do Carmo)
De 1966 a 1970 construiu o Ginásio Paulo Conrado, a Escola José de Alencar, um pavilhão do Ieta, Instituto de Educação do Amapá, Escola Princesa Isabel, Biblioteca Pública, hoje Biblioteca Elcy Lacerda, 17 casas para funcionários do governo, dois pavilhões do Grupo Escolar Alexandre Vaz Tavares, o Fórum da Justiça Federal, inaugurado pelo presidente Costa e Silva, 21 pontes de madeira sobre pilares de concreto ao longo da BR 156, no trecho Lourenço-Oiapoque, e melhoramentos em 200 quilômetros de caminho de serviço da rodovia e centenas de reformas em prédios públicos.

No dia 24 dezembro de 1970, em um pequeno Jeep, Walter do Carmo, na companhia de Zé Grande e do mestre Ouvídio, escoltados por uma Toyota dirigida por Vicente Cabraia, conseguiram chegar até ao Oiapoque. E após 16 anos, como foi acertado com Janary Nunes, a BR 156, que liga Macapá à fronteira, foi entregue ao então governador Ivanhoé Martins.

De 1971 a 1972 executou serviços de terraplanagem com equipamentos pesados no trecho Calçoene-Lourenço e consolidou o caminho de serviço no trecho Lourenço-Oiapoque, restaurou os ramais do Apuema e Tucunaré e fez o revestimento e obras de artes no trecho Ferreira Gomes-Amapá- Calçoene.
De 1973 a 1975 iniciou e desenvolveu a implantação básica da BR 156 no sentido Norte-Sul, trecho Oiapoque-rio Cassiporé, implantando toda a infra-estrutura, incluindo porto para desembarque de equipamentos pesados, fábrica de manilhas de concreto armado; campo de pouso no km 64. Participou da construção dos primeiros seis quilômetros da rodovia Perimetral Norte em colaboração com a Construtora Mendes Júnior e hospedou na Fazenda Nossa Senhora do Carmo (105) toda a equipe responsável pela implantação da rodovia e a comitiva do presidente Emílio Garrastazu Medici, incluindo os ministros Mário Andreazza e Costa Cavalcante.

Em 1975, o governo do Amapá decidiu modificar o traçado da rodovia, abandonando 250 quilômetros já construídos. O contrato foi com a Construtora Carmo.

Além da BR 156, Walter do Carmo foi o responsável por levar o progresso para outros cantos do território. Foi ele quem abriu os ramais para que veículos entrassem mais facilmente nos municípios de Amapá e Calçoene, Base Aérea do Amapá e para a localidade Lourenço. Construiu ainda campos de pouso em Tartarugalzinho, Calçoene e Cunani.

Tudo corria bem até que o contrato com o governo foi rescindido na administração de Artur Azevedo Hening, em 1975, ignorando uma das cláusulas que previa o translado do maquinário para a capital. As máquinas utilizadas na construção da BR 156 ficaram abandonadas ao longo do primeiro traçado da estrada e jamais recuperadas. Pela quebra do acordo contratual foi movida uma ação contra o território, que foi vencida pelo empresário muitos anos depois, quando a Construtora Comercial Carmo Ltda. já estava fechada. O dinheiro serviu para pagamento de indenizações trabalhistas e multas do INSS. 

Construtor, pioneiro, desbravador e aviador

Nos anos 70 Walter do Carmo construiu os clubes mais bem frequentados, Círculo Militar, Macapá e Amapá Clube. Além de desbravador e construtor, Walter gravou seu nome na história do Amapá como pioneiro, palavra que levava ao pé da letra. Foi um dos fundadores do Lions Clube, Maçonaria, Igreja Messiânica e sua paixão: o Aeroclube.
Realizou um sonho de infância em seus anos de ouro, quando se tornou aviador. Ao conhecer o boliviano capitão Belarmino Bravo, juntou seu desejo e espírito empreendedor à paixão do visitante, e juntos formaram a primeira turma de pilotos “brevetados” da cidade, e fundaram o Aeroclube de Macapá, em 1956. Na turma estava Hamilton Silva, que morreu em 1958, no acidente de avião em que também faleceram o deputado Coaracy Nunes e seu suplente Hildemar Maia. Diziam na época que estava prevista a ida de Walter do Carmo nessa viagem.

“Prefiro dormir sem ceia do que acordar com dívida” (Walter do Carmo)
Em 1985 o governador Jorge Nova da Costa, acreditando no potencial de Walter do Carmo, deixou sob sua responsabilidade o asfaltamento de 50 quilômetros da BR 156. Ele foi buscar no Paraná a empresa CR Almeida para o serviço. No ano de 2003 o governador Waldez Góes o nomeou assessor especial, como conselheiro da gestão, cargo com que sobreviveu até 2010. Ao morrer, no último dia 14, recebia apenas a pensão do INSS.
A ação de milhões ajuizada pelos associados e familiares do Aeroclube, por ter o governo do Amapá instalado órgãos públicos, hoje Centro Administrativo, na avenida FAB, sem desapropriar a área, ainda corre na Justiça do Amapá. Além dos sete filhos com Helita, entre eles o Keky, médico recém formado falecido há 28 anos, Walter deixou mais dois filhos, Walmir e João Vitor.


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