Política Nacional

‘A vítima de violência às vezes vem para desabafar’, diz delegada

Você tem que entender o que leva a mulher a ser vítima. O meio, o que produziu a violência. Então não é uma pergunta normal, como em outros crimes, que você tem que fazer. É diferente. É totalmente diferente do que a gente vive num plantão de distrito normal. E isso não só a vítima, mas o agressor também. E nós também, da delegacia.


“Quando eu me deparei com a Delegacia da Mulher, eu falei: ‘e agora?’. Era algo totalmente diferente do que estava acostumada. Trabalhei 16 anos em outras delegacias, comuns e do metrô. E aí, de repente, eu estava em uma delegacia especializada em violência doméstica. Então você chega e… ‘opa’.

Você tem que entender o que leva a mulher a ser vítima. O meio, o que produziu a violência. Então não é uma pergunta normal, como em outros crimes, que você tem que fazer. É diferente. É totalmente diferente do que a gente vive num plantão de distrito normal. E isso não só a vítima, mas o agressor também. E nós também, da delegacia.

Mas você acaba se apaixonando. Agora, não me vejo mais em outro lugar. No início, realmente é uma coisa diferente. Porque você colocar um bandido na cadeia é uma coisa. Agora, você colocar um pai de família, que a criança vai ficar chorando do lado da mãe porque o pai está sendo preso… Então tem esse lado emocional seu também, que pesa. E você tem que ir para os dois lados, né? É complicado.

A vítima de violência doméstica, a mulher, às vezes ela vem mais para desabafar. Só que aí ela me relata um fato criminoso. E eu não posso ficar de braços cruzados. Porque, às vezes, elas falam: ‘mas eu não quero [um inquérito], eu só queria dar um susto nele’. Falo para ela: ‘ainda bem que você agora viu que pode melhorar de situação’, mas eu tenho um caso para apurar.

Não é fazer o B.O., sair daqui com um papel na mão. O papel não é escudo, entendeu? E muitas sabem que o papel não é escudo e que, se vier aqui, quando voltar pra casa vai ser pior.

E elas têm muita vergonha. Até ela ver que é vítima, que não é porque ele não é assim, que ele pode melhorar… Mas como o homem pode melhorar? Muitas não vêm à delegacia porque existe sentimento, existe o filho. Você não está lidando com um objeto, com uma xícara. É uma pessoa, tem sentimentos. E a mulher é frágil, por mais que ela seja independente. E o homem, pela postura, fragiliza a mulher. São poucas as que vêm aqui e falam: ‘eu não quero mais’.

Ela se sente frágil e pensa: ‘como é que vou separar o pai de meus filhos?’. Não pensa por ela mesma, mas pelos filhos. E até que ponto a delegacia pode ajudar nisso? Em nada. Nada, porque a gente não vive lá dentro.


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