Política Nacional

Moro reconhece erro em grampo de Dilma e Lula, mas mantém divulgação

“Determinei a interrupção da interceptação, por despacho de 16/03/2016, às 11:12:22 (evento 112). Entre a decisão e a implementação da ordem junto às operadoras, colhido novo diálogo telefônico, às 13:32, juntado pela autoridade policial no evento 133. Não havia reparado antes no ponto, mas não vejo maior relevância”, escreveu o juiz


O juiz federal Sergio Moro, titular da 13ª Vara Criminal de Curitiba, reconheceu a irregularidade no grampo que interceptou a conversa da presidente Dilma Rousseff e o agora ministro da Casa Civil Luiz Inácio Lula da Silva — feito depois do horário que determinou a interrupção. Apesar disso, o juiz considerou válida a divulgação da conversa.

“Determinei a interrupção da interceptação, por despacho de 16/03/2016, às 11:12:22 (evento 112). Entre a decisão e a implementação da ordem junto às operadoras, colhido novo diálogo telefônico, às 13:32, juntado pela autoridade policial no evento 133. Não havia reparado antes no ponto, mas não vejo maior relevância”, escreveu o juiz

Às 11h13 de quarta (16/3), Moro despachou que, como já haviam sido feitas “diligências ostensivas de busca e apreensão”, “não vislumbro mais razão para a continuidade da interceptação”. Por isso, ele determinou a interrupção das gravações. O delegado da Polícia Federal Luciano Flores de Lima e as operadoras de telefonia foram informados da suspensão dos grampos até as 12h18.

Só que a conversa em que Dilma avisa a Lula que ele vai receber o termo de posse como ministro da Casa Civil aconteceu às 13h32. A própria PF foi quem contou isso ao juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, onde corre a “lava jato” e as investigações sobre Lula. Em comunicado enviado à vara às 15h34, o delegado Flores conta a Moro sobre o conteúdo. Mesmo assim, às 16h21, Moro determina o levantamento do sigilo do processo inteiro, inclusive da gravação da conversa entre a presidente e o antecessor dela.

Grampo ilegal

Para especialistas, o diálogo foi captado de maneira ilegal, e não poderia ter sido divulgado. Mas Sergio Moro discorda dessa opinião. “Como havia justa causa e autorização legal para a interceptação, não vislumbro maiores problemas no ocorrido, valendo, portanto, o já consignado na decisão do evento 135 [que autorizou a divulgação da conversa]”, opinou o juiz da operação “lava jato”.

A seu ver, também não é “o caso de exclusão do diálogo considerando o seu conteúdo relevante no contexto das investigações”, conforme já tinha deixado claro na decisão em que deu publicidade às conversas telefônicas de Lula. 

Nesse despacho, Moro havia argumentado que “o levantamento propiciará assim não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça criminal. A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.

Watergate

Ao argumentar que nem mesmo o presidente “tem privilégio absoluto” na proteção de suas conversas, o juiz Sérgio Moro citou o caso US vs Nixon, de 1974, em que a Suprema Corte dos EUA decidiu que o então presidente Richard Nixon não poderia se recusar a fornecer gravações de conversas na Casa Branca a outros entes do Estado.

O caso Watergate foi descoberto por repórteres do jornal Washington Post, que receberam a informação de que o presidente republicano Richard Nixon grampeou reuniões do Partido Democrata. O escândalo culminou com a renúncia de Nixon.

Ao comentar a divulgação dos grampos o jurista Lenio Streck traçou um paralelo com o caso americano e apelidou o caso de Morogate. “A vingar a tese de Moro de que não há mais sigilo [em conversas envolvendo autoridades, desde que elas não tenham sido diretamente grampeadas], todos os segredos da República poderiam ser divulgados. Uma cadeia de contatos que exporiam todo tipo de assunto que o Presidente da República falasse com pessoas sem foro”, analisa Lenio. “Quem examinar esse fato à luz da democracia, dirá: Moro foi longe demais.

Foro privilegiado

Sergio Moro também voltou a alegar que não houve irregularidade no fato de ele, um juiz de primeira instância, presidir inquéritos que envolvem autoridades com prerrogativa de foro, como Dilma, os ministros Jaques Wagner e Nelson Barbosa, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e o deputado Wadih Damous (PT-RJ), uma vez que o investigado era Lula, então sem privilégios.

“A circunstância do diálogo ter por interlocutor autoridade com foro privilegiado não altera o quadro, pois o interceptado era o investigado e não a autoridade, sendo a comunicação interceptada fortuitamente”, sustentou.

No despacho, Sergio Moro lembrou que caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre a validade desses áudios. Com isso, ele ordenou que a secretaria prossiga no cumprimento da decisão anterior, e destacou que se for confirmado que Lula tomou posse como ministro da Casa Civil, os autos deverão ser remetidos para o STF. (Sérgio Rodas/Conjur)


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