Dom Pedro Conti

O todo-poderoso


Ao voltar vitorioso de uma guerra, o imperador romano Adriano convocou a corte e, em tom extremamente solene, declarou:
– Dado o meu poder e a força incalculável que eu tenho, exijo, de agora em diante, que me considerem um deus!
Mal acabou de falar, um dos nobres presentes, que também era comerciante, aproximou-se e disse:
– Ó celestial imperador, já que sois deus, imploro o vosso poderoso auxílio.
– O que aconteceu? Em que posso ajudar o amigo? – respondeu lisonjeado o imperador.
– Estou tendo um grande prejuízo, porque os meus navios carregados de mercadorias estão parados a três milhas da costa e não conseguem chegar até o porto.
– Muito simples – respondeu o imperador – enviarei uma frota com bons remadores e eles trarão os navios.
– Ó todo-poderoso, não se incomode tanto assim – continuou o cortesão – com duas ou três rajadas de vento os navios chegarão.
– Mas… – disse o grande Adriano – onde irei buscar essas rajadas de vento?
– Ó sublime e divino soberano, se não podeis mandar num pouco de vento, como pretendeis arrogar-vos os atributos de Deus? Muito fraco é o vosso poder!

No evangelho deste domingo, Jesus chama os doze apóstolos e os envia em missão. Terão que proclamar a chegada do “reino dos céus” a começar pelas “ovelhas perdidas da casa de Israel”. Foi com o mesmo anúncio da proximidade do reino de Deus que Jesus iniciou a sua pregação. Reino e conversão. Agora, os primeiros operários vão trabalhar junto à messe grande. O Bom Pastor envia “pastores” para cuidar de quem anda cansado e abatido. São palavras de compromisso, mas também de esperança: algo novo está começando. Os sinais do “reino” são aqueles muitas vezes apresentados pelos profetas, quando avistavam e prometiam os tempos messiânicos: “expulsarem os espíritos maus e curarem todo tipo de doença e enfermidade”. Expressamente, Jesus envia os discípulos com as palavras: “Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios”. Tudo isso com “poder”! Mas também com gratuidade: “De graça recebestes, de graça deveis dar!”

Dá vontade de nos perguntar: onde ficaram o poder e a gratuidade? Sejamos sinceros: pensamos logo que o poder desapareceu – não ressuscitamos mais os mortos, não curamos mais tanto assim os doentes… – devemos reconhecer, porém, que também a gratuidade sumiu ou, ao menos, deixou de ser prioritária. Quantas vezes, antes de fazermos alguma coisa, já pensamos o que vamos lucrar, ganhar ou faturar. Pode ser por dinheiro ou, simplesmente, pelo gosto de aparecer, de chamar atenção e de ter, cad a vez mais, fiéis seguidores. Por definição, a “gratuidade” é dom puro, sem pretender ou cobrar nada de volta, nem a gratidão. Por isso, o verdadeiro “poder” de Jesus e o “poder” que ele entrega aos seus discípulos está muito mais no amor oferecido e doado do que na possibilidade de fazer “milagres”. Esses são sinais do amor de Deus, de Alguém que se interessa por nós, ainda, “ovelhas” cambaleantes nos caminhos da vida. Mas a maior cura que deveríamos almejar é a expulsão do demônio do interesse, da ganância, de quem pensa somente na sua vantagem. Exatamente o contrário da gratuidade! Quem aprende a doar algo de si com generosidade, de coração, torna-se uma pessoa nova, transformada pelo amor de Deus, capaz de amar como Jesus ensinou e deu o exemplo. A ciência, graças a Deus, est&a acute; curando e ainda vai curar muitas doenças, mas quase tudo virou negócio; às vezes, é exploração do doente e da sua família, outras, engano e ilusão. Já tem medicamento certo para morrer suavemente e para matar populações inteiras. O poder devia ser para a vida, não para a morte. Somente a gratuidade e a fraternidade mudarão o coração humano. Não é o poder que diminuiu, é o amor que enfraqueceu. Uma vida bem vivida, na paz do coração, na partilha e na generosidade, não tem tanto medo assim da morte. Acredita na vida plena, amorosa do Pai, sabe que o bem vale por si mesmo e nos faz felizes neste mundo e no outro. Não adianta ter poder sobre o vento, se não temos poder sobre o nosso coração, porque não sabemos mais amar.