Dom Pedro Conti

Os pombos e a rede


Um grupo de pombos, ainda muito jovens e inexperientes, saiu a voar sob o comando de um velho pombo sábio e experiente. Em dado momento, o grupo avistou lá do alto algo que parecia com uma grande quantidade de grãos de milho espalhados no chão. Cansados e famintos, os jovens pombos não se contiveram e para nada serviram os gritos do velho pombo pedindo que não fizessem aquilo. Eles desceram até o milho e acabaram presos em uma rede preparada para apanhar aves. Ficaram presos pelos pés e apes ar de se debaterem, desesperadamente, ninguém conseguia mais levantar o voo.

Naquela confusão, eles ficavam cada vez mais presos entres as malhas da rede. Finalmente, o velho pombo conseguiu ser escutado e disse: “Só tem um jeito de vocês saírem desta rede; todos terão que levantar voo ao mesmo tempo, juntos, alçando a rede no ar”. Então, o grupo dos jovens pombos assim o fez; levantaram o voo juntos e a rede subiu com eles, mantendo-se no ar com grande esforço de cada um. Até que um dado momento a rede foi se soltando dos pés dos pombos e caiu por terra. Estavam livres novamente.

Um simples exemplo de solidariedade, de conjunto, em lugar de tantas disputas individuais. Pelo jeito, o assunto do poder e do desejo de ocupar os primeiros lugares devia ser muito atual na comunidade para a qual Marcos escreveu o seu evangelho. Já encontramos isso, alguns domingos atrás, quando os apóstolos discutiam entre si quem era o maior. Se depois lembramos que este evangelho foi escrito, provavelmente, para os cristãos da comunidade de Roma, a capital do império, entendemos, ainda melhor, o calor da disc ussão.

O poder sempre fascina, atrai, faz sonhar e entorpece as consciências. Tiago e João, dois discípulos da primeira hora, não tiveram escrúpulos a se declarar prontos até a morrer para sentar à direita e à esquerda de Jesus, quando chegasse a hora da sua vitória gloriosa. Eles e os demais estavam, ainda, muito longe de ter entendido qual seria a “glória” de Jesus, qual o seu trono e a sua coroa. Não conseguiam imaginar um “Cristo” Messias crucificado e coroado de espinhos. Um dia, poderão dar a suas vidas por causa de Jesus e do Evangelho, mas então já não será tão importante ocupar os primeiros lugares, porque os valores do Reino de Deus serão bem outros que aqueles dos impérios humanos.

Depois desses esclarecimentos, Jesus aproveitou para falar abertamente dos poderosos deste mundo que oprimem e tiranizam. En tre os seus discípulos, porém, deve ser exatamente o contrário: “Quem quer ser grande seja o vosso servo; e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos” (Mc 10,43-44). A motivação deste “serviço” tão radical é a própria pessoa de Jesus porque ele, o Filho do homem, pagará com a sua vida o resgate da libertação da humanidade do pecado e da morte.

A busca do poder leva à exploração e à morte dos outros, o caminho do amor leva ao dom da própria vida em favor de quem é amado. A sede do poder bebe do sangue dos outros. A “sede” de Jesus na cruz é a sede de amor, que doa a si mesmo para a vida dos irmãos. Depois de tantos anos de fé cristã, nós ainda continuamos pensando que riqueza, sucesso e poder humano sejam todos sinais de bênção e apoio de Deus. Mas não foi bem isso que Jes us ensinou. Na história de ontem, talvez, contava ainda o poder das armas; hoje, sabemos que o poder do dinheiro fala mais alto e decide da vida ou da morte de populações pobres de países inteiros. O anseio pelo poder gera disputas sem fim e aos poderosos do momento, sucedem outros, mas bem pouco muda para quem nunca tem acesso aos bens que Papa Francisco considera fundamentais para uma vida digna de ser chamada humana: o teto, a terra e o trabalho. Todos nós podemos cair na rede traiçoeira do individualismo, do consumo, da autossuficiência, de nos achar melhores dos demais. O caminho da libertação só começa com a transformação do egoísmo em solidariedade e fraternidade. A força e a alegria do amor, da comunhão e do serviço generoso, são maiores de todas as euforias pagas pelo poder. Porque não é propaganda. É sabedoria, é e vangelho.