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Xerife destituído, até o sol raiar

No Natal de 1957, sem esperar receber presente de Papai Noel tive uma imensa surpresa. Ao passar a mão direita sob minha rede, deparei com um embrulho retangular, mas sem a altura que me levasse a pensar em um carro. Se fosse uma bola de futebol o embrulho seria redondo. Além de o volume ter […]


No Natal de 1957, sem esperar receber presente de Papai Noel tive uma imensa surpresa. Ao passar a mão direita sob minha rede, deparei com um embrulho retangular, mas sem a altura que me levasse a pensar em um carro. Se fosse uma bola de futebol o embrulho seria redondo.
Além de o volume ter formato comprido, nada fazia barulho quando eu o sacudi. O relógio da sala de casa havia soado cinco badaladas. Ciente que ainda era madrugada coloquei o embrulho sobre o peito e tentei dormir.Quem disse que eu consegui realizar esta proeza.
Nossa casa tinha apenas dois quartos e eu dormia no segundo cômodo, juntamente com minhas quatro irmãs. Mesmo tendo minha rede atada rente a porta e perto do interruptor, eu não poderia ligar a luz, porque seria admoestado por elas. A angústia foi tomando conta de mim e me obrigou a sair do quarto apalpando a parede em direção à porta que demandava para o corredor, elo de ligação entre a sala e a cozinha.
Esqueci até que tinha medo de escuro e das possíveis almas penadas que eu encontraria pelo caminho. Minha mãe tinha falecido em julho de 1955, motivando uma tristeza imensa no seio da família. No Natal deste ano fatídico as comemorações natalinas passaram longe de casa e nenhum presente nos foi dado. Papai precisou ausentar-se para cuidar dos seus empreendimentos comerciais sediados na região das ilhas do Pará, deixando-nos aos cuidados da mazaganense Hortência Furtado, que era sua madrinha de águas bentas. Assim que cheguei à cozinha acendi a luz e rapidamente desembrulhei o presente. A imagem captada pelos meus olhos me transportou para o velho oeste norte americano. Dentro da caixa havia todos os apetrechos próprios de um xerife: cinturão, coldre, revólver colt 45 e um rolo de espoletas. Para poder usar a estrela de xerife, precisei vestir a camiseta do uniforme de educação física do Grupo Escolar Barão do Rio Branco.
Devidamente identificado como homem da lei, coloquei o cinturão com o coldre, abri o revolver e adaptei o rolo de espoletas no local apropriado. Para dar mais realce ao destemido justiceiro usei o meu chapéu de escoteiro. A empolgação era tanta, que nem reparei se o dia já havia raiado. Num piscar de olhos o tiroteio começou. Duplo som era ouvido. O das espoletas e o que eu fazia com a boca, inclusive o ricochete das balas batendo nas pedras. Minha alegria durou pouco.
A mesma alma caridosa que me deu o presente se apossou dele com um ultimato: “Mano, ainda é madrugada, Só vou devolver tua arma se tu dormires mais um pouco”. Enfezado e indignado, deitei no assoalho da sala e adormeci. Por volta das oito horas fui despertado e voltei a personificar o Hopalong Cassidy, um dos heróis do cinema americano. Antes do meio dia a munição tinha acabado.
Na manhã do dia 26 de dezembro eu fui ao Armazém Macapá e a outras lojas do nosso humilde comércio. Nenhuma casa que vendia presentes possuía rolos de espoletas. O jeito foi reviver o tempo em que eu usava revólveres de madeira.
Nos filmes que assisti no Cine Teatro Territorial e no Barracão Pio XII, as balas dos mocinhos nunca acabavam. Por isso julguei que o meu trabuco era de facínora. O que mais atirava era o Allan “Rock” Lane, mais conhecido como Rock Lane. O Roy Rogers e o Gene Autri cantavam mais do que atiravam.No meu tempo de criança os presentes mais vistosos eram caros. Os caros podiam ser de pinho, lata ou mica. Ainda não existia o plástico.
O dono de um brinquedo feito de mica precisava ter muito cuidado. O material era frágil e quebrava com facilidade. Alguns garotos malvados sentiam prazer em chutar ou pisar um brinquedo de mica. Um caminhão de madeira acabava sendo um ótimo presente. Marceneiros e carpinteiros fabricavam rodas ou ripas da carroceria, caso elas quebrassem. A maioria dos revólveres de brinquedo, vendidos no nosso comércio era de ferro fundido As cores variavam, mas prevaleciam as tonalidades prata e preta.


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