Dom Pedro Conti

A paz do coração


Contam que São Teodoro era continuamente atormentado pelos demônios. Sobretudo durante os momentos nos quais costumava rezar. Certo dia, confessou ao seu diretor espiritual que tinha visto Satanás travestido de Anjo da Luz, que o lisonjeava com estas palavras:

– Eu amo os ambiciosos: eles serão minha propriedade! Tu és ambicioso e, por isso, te levarei comigo! Teodoro, afundado na escuridão do medo e do desespero gritou a Deus:

– Senhor, veja como os demônios me impedem de rezar. Diga-me, por favor, o que tenho que fazer para afugentá-los? O Senhor lhe respondeu:

– Os demônios não deixam de atormentar as almas orgulhosas. O santo se ajoelhou e suplicou:

– Senhor, diga-me. Quais pensamentos afastarão o Maligno e iluminarão a minha alma? Deus, na sua infinita paciência, o ensinou:

– Quando Satanás vier a ti, diga-lhe: “Eu sou o pior de todos!”. Assim começou a fazer São Teodoro e, a partir daquele dia, encontrou a paz do coração.

O trecho do evangelho de Lucas, deste domingo, começa com um pedido dos apóstolos: “Aumenta a nossa fé”. Uma oração singela que revela a dificuldade dos discípulos, mas também de todo cristão, para alcançar uma fé firme ou, ao menos, minimamente digna desse nome. A resposta de Jesus é, ao mesmo tempo, uma comparação e uma advertência. Para a fé, não existe uma medida humana que permita alguma medição em metros ou quilos. Em si, o grão de mostarda é uma semente muito pequena, quase imensurável. Também a fé não se mede por alguma coisa grandiosa que chame atenç&a tilde;o pela sua originalidade. Será que, se tivermos fé como um grão de mostarda poderíamos pedir a Deus qualquer coisa? Por exagerada ou estrambólica que seja? Sinceramente, não sei se uma amoreira plantada no mar, com raízes e tudo, sobreviveria e serviria mesmo para alguma coisa. O que Jesus queria dizer afinal?

Está claro que algumas palavras de Jesus nunca deixam de nos surpreender e que também alguns exemplos dele que, com certeza, podiam ser entendidos naquele tempo, hoje são difíceis para nós. As palavras também têm as suas limitações e o sentido delas pode mudar com as épocas. No entanto, acredito que seja necessário nos deixar questionar pela parábola que Jesus conta em seguida e que também não deixa de nos inquietar. Como é possível que um bom patrão seja tão exigente com o seu empregado e não reconheça também o cansaço dele, após um dia inteiro suado na roça? Será que som os mesmo servos inúteis que, simplesmente, cumprimos as nossas obrigações?

Jesus é um “senhor” exigente, mas não devemos ficar somente com as palavras do evangelho deste domingo, em outras páginas, ele falou também de festa e de recompensa para os “servos” fiéis. Como entender, portanto, essas palavras tão duras? A lição dele é sempre sobre a humildade. A nossa alegria não deve consistir no sucesso pessoal, em elogios ou promoções. A felicidade do discípulo-servo deve consistir, simplesmente, em ter consciência que está colaborando com algo de muito maior dos resultados que ele pode, ou não, ver. Todo discípulo é um simples “operário” do Reino que &eac ute; de Deus e, com isso, nunca comparável com os reinos humanos. Esses se medem pela extensão, pelas riquezas, pelo poder. O Reino de Deus não é uma “superpotência” disputando com outras. Não tem “Banco Central”. Dele, não conhecemos os limites, porque a misericórdia do Pai é infinita. Não conhecemos o patrimônio guardado, porque os tesouros do céu serão revelados somente no último dia; o dia da verdade, mas também do amor doado ou negado. A fé do discípulo deve crescer junto com a sua humildade. Devemos acreditar que até um copo de água será contabilizado, mas devemos lembrar que também isso foi um dom de Deus que nos ofereceu a possibilidade de fazer o bem, de trabalhar na imensa seara da sua bondade manifestada na história conturbada da humanidade. Ainda os servos “inúteis” pergu ntarão: “Quando foi Senhor?” Melhor sempre pensar que somos os últimos, os piores, para um dia, Ele, e somente Ele, nos chamar para a festa do Reino.