Dom Pedro Conti

Caminharei os 28 km até a nossa casa


Quem contou este fato foi o neto do Mahatma Gandhi. “Naquele tempo eu morava com a minha família na África do Sul, no interior, a 28 km da cidade de Durban. Certo dia, meu pai pediu-me que o levasse até a cidade, onde participaria de uma conferência o dia todo. Como íamos até a cidade, minha mãe me deu uma lista de coisas que precisava comprar no supermercado. Também tinha que levar o carro na oficina para alguns acertos. Na despedida , meu pai me disse:

– Nos vemos aqui, às 17 horas, e voltaremos para casa juntos. Cumpri todas as tarefas e decidi ir ao cinema.

Acabei esquecendo a hora. Quando o filme acabou já eram 17h30. Corri até a oficina, peguei o carro e fui ao encontro de meu pai. Ele me perguntou ansioso:

– Por que chegou tão tarde?

Eu não tive coragem de dizer que tinha ido ao cinema. Assim, eu menti e respondi que o carro não estava pronto. Não sabia que meu pai já tinha telefonado para a oficina. Ao perceber que estava mentido, meu pai me disse:

– Algo não está certo no modo como o tenho criado, porque você não teve coragem de me dizer a verdade. Vou refletir sobre o que fiz de errado. Caminharei os 28 quilômetros até a nossa casa. Assim, vestido com as suas melhores roupas e calçando sapatos elegantes, meu pai começou a caminhar pela estrada de terra sem iluminação. Guiei por cinco horas e meia atrás dele. Vendo meu pai sofrer por causa de uma mentira est úpida que eu havia dito, decidi, ali mesmo, que nunca mais mentiria. Esta lição marcou a minha vida mais que qualquer castigo”.

No evangelho de João do Quinto Domingo da Páscoa encontramos, de novo, uma bela comparação desse evangelista. Jesus se identifica com o tronco da videira e nós, os seus amigos e seguidores, seríamos os ramos. Para produzir frutos, os ramos, precisam ficar juntos ao tronco. Essa ligação é questão de vida ou de morte. Os ramos separados, ou cortados, secam e só servem para serem queimados. Mas, se continuarem unidos ao t ronco, produzirão muito fruto e maior será a glória do Pai. Até aqui, a comparação é clara, não deixa dúvidas. Nos ajuda a entender que o nosso relacionamento com Jesus é algo de vital, não é uma mera formalidade ou um qualquer encostamento superficial. O que nos surpreende é o papel do agricultor, que Jesus diz ser o Pai, “meu Pai”. É ele que limpa os ramos e corta os que não produzem frutos. Assim funciona o bom cultivo das videiras. A limpeza e a poda são decisivas. Parece algo dolorido e cruel, mas é a única maneira para que as forças do tronco não se espalhem por galhos e folhas inúteis.

Como entender isso para a nossa vida espiritual? Seria Deus a nos enviar sofrimentos para limpar o nosso coração? Não esqueçamos que o objetivo da poda é a produção de frutos melhores. Se pensamos a quantas energias gastamos para infernizar a vida dos outros com as nossas disputas, com a inveja, o ciúme e a vingança, deveríamos agradecer a Deus se tudo isso, um dia, é definitivamente cortado. São as sobras, as c oisas inúteis para o bem que devem ser cortadas. Nada de castigo. É alívio mesmo.

Do jeito que só ele conhece, Deus Pai nos liberta do peso de tantas mágoas e ressentimentos. Talvez fique dolorido para o nosso orgulho, mas faz um bem imenso ao nosso coração. Bem podados e unidos a Jesus, podemos amar mais, produzir mais frutos bons. Deixamos que seja ele a podar a nós e aos nossos irmãos, também os que estão errados. Foi o que Jesus ensinou e praticou. Nós gostamos de punir e castigar, achamos que resolve. Ele n& atilde;o deixou jogar pedras contra a mulher adultera. A Simão, que desprezava a pecadora, lembrou que ele também tinha dívida. Não mandou para o inferno os dois ladrões, morreu na cruz junto com eles e, a quem queria, ofereceu o Paraíso. Esse é o nosso Deus, esse é o nosso Pai.

Quando pensamos que já aprontamos demais e que não merecemos mais o perdão, ele faz festa por causa do nosso arrependimento. Ele não poupou o seu próprio Filho para nos salvar. Se Deus Pai errou na nossa criação foi por nos ter amado e continuar a nos amar demais. Somos nós que ainda não aprendemos a lição.