Dom Pedro Conti

Setímio e o bandido


Muitos séculos atrás, caminhava pelo mundo um velho peregrino chamado Setímio. Quando não estava andando, ele parava em lugares afastados rezando e se alimentando com folhas e frutas. Toda noite, um anjo do Senhor descia do céu para lhe falar do paraíso. Num dia de chuva, aconteceu que o andarilho de Deus não conseguiu sair para encontrar comida. Estava com fome e com frio. Perdeu a paciência e disse:

– Que dia horrível!

Por nove dias, o anjo não compareceu. No décimo dia, veio e disse a Setímio:

– O Senhor está triste porque perdeste a paciência. Terás que fazer penitência. Crava e teu velho bastão no chão. Todo dia descerás três vezes ao rio, encherás a boca de água e assim molharás o bastão. Quando este florescerá, eu voltarei e te levarei para o paraíso.

– Setímio obedeceu. Certo dia, chegou por lá um perigoso bandido que estava fugindo dos que o caçavam. Viu o vaivém do peregrino e quis saber o porquê. Deu uma gargalhada e disse:

– Crês de verdade que o teu bastão um dia florescerá? E não achas a tua penitência pesada demais por uma culpa tão pequena? Imagina eu; qual seria a minha penitência por tudo o que aprontei?

Respondeu Setímio:

– A misericórdia de Deus é infinita.

Fazia alguns tempos que o ladrão sentia a dor do remorso pelo mal cometido e assim falou:

– Vou acreditar em ti. Ficarei contigo e seguirei o teu exemplo. Ele também cravou o seu bastão no chão e começou a rezar e a carregar a água, de manhã, ao meio dia e à tarde. Cada dia crescia o seu arrependimento, mas não acreditava que o bastão de um pecador, com o qual tantas vezes tinha batido e se defendido, iria mesmo florescer. Uma manhã, porém, Setímio chamou o bandido e lhe disse:

– Olha, o teu bastão floresceu e o meu não!

No mesmo dia, veio um anjo do céu e levou o ladrão para o paraíso. O bastão do velho andarilho floresceu muitos anos depois. Setímio não tinha se arrependido tão profundamente como o bandido e, algumas vezes, quando descia para o rio a buscar a água ainda se queixava que, afinal, aquela penitência era pesada demais por uma culpa tão pequena.

No evangelho deste domingo, Jesus nos lembra que os bens mais seguros são aqueles colocados nos cofres do céu: as obras de misericórdia, de compaixão e generosidade. Somos todos administradores da vida que recebemos em dom, do tempo que nos é dado para agir da melhor maneira. Ser encontrados acordados pelo dono da casa não significa simplesmente não dormir, mas não deixar entorpecer a nossa consciência pelos ídolos cativantes deste mundo. Ficar acordados é não perder o sentido mais profundo do nosso agir, das nossa escolhas, todo dia e toda hora. Ninguém sabe a hora em que o senhor vai voltar para abrir-lhe imediatamente a porta. O emprega do-discípulo deve estar sempre pronto e será feliz se for encontrado vigiando. Será premiado. Ao contrário, o servo que aproveitar da ausência do patrão para abusar da sua liberdade será punido, porque desobedeceu, apesar de conhecer a vontade do seu senhor.

Não é para ter medo (Lc 12,32), mas para colaborar alegremente e com responsabilidade com a obra que nos foi entregue. Estão em jogo os valores do Reino de Deus; este é o tesouro inestimável que nos foi entregue para administrar na história real da humanidade. Este é o “muito” que recebemos. Cabe aos cristãos fazer acontecer o Reino da justiça, da paz e do amor; de fato, na vida, de dia e de noite, sempre. Sem parar, porque o amor de Deus não descansa e os pobres não podem esperar, clamam ao seu Senhor. “Administrar” é usar bem dos recursos que temos à disposição. Não estamos neste mundo para e xplorar o planeta e transformá-lo em deserto, mas para fazê-lo florescer para a alegria de todos os seus habitantes, para um bem que seja grande e “comum”, porque administrado e repartido entre todos. Uma grande fraternidade. Sem exclusões e sem privilégios. Sem escravos e patrões. Nunca é tarde para se arrepender. E a penitência? Se reclamar, será pesada. Se acreditarmos, será o Reino acontecendo: mesa farta, festa, alegria para todos e…o Senhor “servindo”!