José Sarney

A Velha Época


Nova Iorque — A primeira vez que estive em Nova Iorque foi em 1961. Lá se vão 57 anos, mais de meio século. Ainda encontrei a cidade na transição daquilo que se chamou “La Belle Époque”, que acelerara a sua decadência com o fim da Segunda Guerra Mundial, para os anos dourados do início da Guerra Fria, que continuou a guerra por outros meios. O mundo se preparava para o longo período, que não se findou, da “Era Nuclear” — de que um dos mais burlescos capítulos acabamos de presenciar com o encontro Trump x Kim Jong-un. A então URSS (União Soviética) descobrira os segredos da bomba atômica, e a população dos Estados Unidos foi tomada de um medo que levou os jornais a publicarem anúncios da venda de “abrigos nucleares”.

Mas a cidade, como dizia Hemingway de Paris, “era uma festa”. Ainda existia o “American Dream”, o sonho utópico que o país formara de uma América-novo-continente, em que o homem encontraria o ideal de Jefferson “da busca da felicidade”, mas onde ainda se encontrava, de maneira revoltante, a discriminação racial, os negros segregados no Harlem (um gueto) e uma sociedade racista. Entretanto, os musicais, o movimento cultural, a alegria das pessoas, a crença de um mundo novo, o debate muito vivo de ideias, sem as mesquinharias dos dias de hoje, tudo nos levava a crer que estávamos nas auroras de uma nova era.

Meu mundo dentro da cidade era as Nações Unidas, onde eu era (já disse isso nesta Coluna) delegado do Brasil na Comissão de Política Especial e sentava ao lado de Golda Meir, a mulher símbolo de Israel. Não havia Emirados Árabes, e os velhos sultões desfilavam com suas roupas coloridas e suntuosas buscando reaver seus territórios. Nessa Comissão da ONU, discutíamos a Questão Palestina — que hoje é guerra — e tratávamos dos Refugiados Árabes da Palestina, isto é, aqueles que tinham saído dos territórios destinados ao Estado de Israel. Tratava-se também do apartheid da África do Sul, essa ignomínia cometida contra a raça negra. Orgulho-me de ter sido o primeiro, como intérprete do meu País, a anunciar, na ONU, a posição do Brasil contra o apartheid. Mas a discussão maior era o debate comunismo versus capitalismo. Foi nesse tempo que o representante de Cuba na ONU (eu vi) disse que seu país aderira ao mundo comunista.

Como tudo mudou! Mudou o mundo, mudaram os países, mudaram as pessoas, e os problemas atuais são gigantescos. Discutem-se as doenças desconhecidas, a sociedade de comunicação, as armas de destruição do mundo, as migrações massivas e o colapso da democracia constitucional, invadida pelo terrorismo, pelo populismo, pela destruição das instituições.

Tudo mudou
A Nova Iorque de hoje que eu encontro é outra cidade, e não aquela de 1961. Tudo mudou. É um grande shopping center. Resistem apenas os grandes museus, o espírito da cidade e os mais lúcidos tentando manter a imagem da cidade do coração símbolo de Nova York. A Time continua a publicar edições com o tema “NY, City of Love”. O New Yorker, o semanário local, continua na liderança do pensamento liberal no país.

A grande América resiste, país extraordinário de progresso e liderança mundial, na ciência, na tecnologia — e no consumismo. Não é mais a cidade que eu conheci com o encanto de meus trinta anos. Mudou a cidade ou eu fiquei velho?

É outra geração que surge, são outras cidades, outros mundos.
É hora de lembrar o nosso Machado: “Mudou o Natal ou mudei eu?”