José Sarney

Laboratório de sonhos


Eu sempre confesso que sou amarrado em bulas e remédios. Tenho problemas de insônia desde a juventude. O mal de Medéia: “Não dormirás jamais”. Mas não desisto de curar-me. Sempre estou atrás de médicos e sempre opino. Certa vez, em Nova York, no Centro de Pesquisas sobre Distúrbios do Sono, o doutor Torphy me atendeu com grande atenção. Perguntei-lhe:

“Doctor Torphy, seria possível fazer um laboratório de sono?”

Doctor Torphy, gentilmente, destruindo minha ilusão e minha vocação para prescrever condutas médicas: “No scientific!”

Não aguentei. Como não-científico o que havia lido em tantas revistas, tantas fantasias construídas nas seções médicas dos grandes jornais do mundo inteiro?

É que sempre tive a convicção de que os laboratórios de sono diziam quando a gente deixava de dormir e começava a sonhar. Nesse estágio, afirmava a literatura médica, os olhos reviravam, entrava-se em sono profundo e vinha o estágio necessário e preciso para que os médicos pudessem fazer o diagnóstico exato. Tudo desapareceu.

E agora? Como iria saber o que acontecia comigo? Não tive outra alternativa. Sonhar acordado, uma reação de compensar a frustração do sonho de um laboratório de sono.

Terminado o exame imaginário, perguntaria: “Qual o resultado?” A resposta: “O senhor não dorme porque foi presidente do PDS”. “Como? Eu fui presidente do PDS em 1979 e não durmo desde 1946, quando era da Esquerda Democrática”. “Por isso mesmo. O senhor mergulhou na insônia da política”. “E a cura?” “Entre para o Partido Verde. Tome chá de alface toda noite!”

É trágica a insônia, porque dormir é ter a possibilidade de sonhar. Leio em Gonzalo Montaner G. que o Chile, com todos os seus problemas, deve esquecer seus sonhos como nação. Coisa terrível! Condenar uma nação a esquecer os seus sonhos.

E depois, em vez de me preocupar com a falta de dormir, andava preocupado com a desgraça que seria para o Brasil esquecer seus sonhos de grande nação.

Haviam alguns indicadores graves de que o país poderia estar entrando numa fase de abandonar a possibilidade de sonhar e caminhar no pesadelo de uma abertura selvagem. Estava abrindo tudo sem negociar nada. Como quando queria abrir sua navegação de cabotagem sem pedir reciprocidade.

É alto demais o preço que estamos pagando pela nossa inserção na modernidade e na globalização. Pequenos países podem deixar de sonhar. O Brasil não pode. Deus nos fez grandes para os sonhos, para influirmos no destino do mundo, para não sermos pequenos. Para ajudarmos os menores e falarmos forte junto aos grandes.

Estávamos perdendo essa noção de grandeza. E senti a profundidade da afirmação: “La grandeur!”, como dizia De Gaulle. O Brasil não pode ser satélite. Tem de ser grande, não pode ajoelhar-se, como diz o povo.

Vamos tomar chá de alface para voltar a dormir e sonhar. Se necessário, com catuaba, barbatimão e pimenta-malagueta.