Nilson Montoril

A volta do besouro verde


Existe na linguagem popular uma expressão bastante pitoresca que revela o sentimento de vingança que uma pessoa sente em relação a quem lhe causou algum mal. A contrariedade pode decorrer de palavras, gestos ou ações ofensivas e agressivas, porque o atingido não reza na cartilha do agressor. Portanto, a volta do besouro verde equivale à hora do revide. Jesus Cristo sempre condenou o sentimento de desforra. Tanto é verdade, que ecoa na mente de todos os cristãos suas palavras recomendando que um atingido na face ofereça o outro lado para também ser batido. Esse ensinamento é difícil de ser cumprido, principalmente pelos homens, pois, afinal de contas, “em cara de homem não se bate”.

O próprio individuo agressor sempre fica no aguardo do troco. Na esfera política, alguns governantes e detentores de cargos eletivos costumam subtrair do povo aquilo que lhes é necessário para sobreviver. Agem dessa forma quando os eleitores não aceitam suas lideranças e denunciam seus deslizes. As ações perniciosas de pérfidos políticos atrapalham o cidadão reto, mas também martirizam os autores dos feitos. Muitas vidas foram ceifadas ao longo da história da humanidade porque os poderosos vingaram-se das pessoas que contrariavam seus interesses. O tempo passou, mas a expressão “a volta do besouro verde” ainda permanece em voga. Aqui mesmo, no Estado do Amapá, existem sentimentos de vingança em profusão pairando no ar e enraizados na mente dos eleitores. E de onde vem tal expressão. Os que vivem nas regiões onde ocorre a criação de gado se acostumaram a ver um besouro esverdeado, conhecido como escaravelho, que usa o excremento de mamíferos herbívoros para se alimentar e enterrar seus ovos.

O trabalho de recolher excrementos é sempre reservado as fêmeas. Elas separam pedaços do esterco ainda frescos, rolam na terra até formar bolas, algumas maiores do que a própria artífice. Em seguida, apoiando-se nas patas dianteiras, rolam as bolas pra trás na direção de um buraco que é sua morada. Se a bola de fezes não couber no buraco a fêmea do besouro trata de ampliar a entrada. Depois de introduzir a bola no buraco, a besoura fura uma câmara na pelota e ali poe seus ovos. A quentura do esterco em fermentação acelera a eclosão dos ovos e o aparecimento das lavas. Tanto a mãe como os filhos se alimentas do esterco.

O trabalho da fêmea do besouro é demorado. Em determinados momentos ela alça vôo e desaparece, dando a impressão de que desistiu da empreitada. Algum tempo depois, sempre “zunindo”, ela reaparece e reinicia sua acrobacia. Alguém pode julgar que a besoura seja desprovida de inteligência. Ledo engano, seu cérebro é do tamanho de um grão de arroz, mas lhe assegura eficiência e maestria, no duro trabalho de rolar ou virar bosta. O político que se elegeu com o apoio de eleitores, que depois foram desconsiderados, sabe que, numa próxima eleição deve estar preparado para aguardar “a volta do besouro verde”. Mas não é só na política que a expressão é usada. Lembro de um fato pitoresco ocorrido com um contemporâneo das lides esportivas, que se enamorou de uma garota bonita, mas foi rejeitado por ela com frase: “vê se tu te enxergas”. Na ocasião, o jovem lhe disse: “ta legal, mas eu vou esperar a volta do besouro verde”. Assediada por homens endinheirados, a moça acabou vivendo com eles tórridos romances em freqüentes orgias, até adoecer e perder a bela estampa que a tornara tão desejada. Refeita da doença já não possuía tantos atrativos e acabou freqüentando o rendez-vous do “Vico”. Certa noite, sem ter conseguido freguês, ela viu o jovem que desprezara adentrar no “Vico”. A fome a impeliu a se aproximar dele para pedir que o mesmo lhe pagasse um prato de sopa e ofereceu seu corpo como recompensa. Foi atendida quanto à sopa, mas recusada como parceira de tranza. E ainda ouviu o rapaz dizer: “lembras que eu te disse que iria esperar a volta do besouro verde?”. O troco foi dado.